O
início de tudo
(Capítulo único)
por: Alba Diniz
O concurso de
Bardos.
Na Grécia, no tempo
dos deuses antigos, existia uma pequena cidade chamada Potedaia. Grande parte
de sua população se dedicava a agricultura. A vida pacata da comunidade só era
abalada com as festas, principalmente as dos solstícios de verão.
O Solstício de
Verão é um ritual de festa e alegria. Trocam-se presentes, faz-se uma grande
festa para agradecer pelas frutas, pela fartura e pelo sol, que nessa época do
ano brilha mais tempo no céu. Esses dias e noites do solstício de verão são
tempos para agradecer a deusa Deméter pela generosidade da estação, quando a
vida é mais fácil e há tantas horas de luz diurna que nos permitem realizar
todas as tarefas com tempo de sobra para o repouso e o divertimento.
Na pequena cidade
vivia um agricultor chamado Herodotus, casado com Hécuba, tinham duas graciosas
filhas, Lila e Gabrielle; e nessas comemorações encontramos a família do
agricultor se divertindo com as danças, as músicas e o concurso de contos, onde
inclusive Bardos de outras cidades se apresentam para deleite de Gabrielle.
Gabrielle era a
filha mais velha. Linda, mas de uma beleza pouco comum. Existia nela uma
combinação harmoniosa de atributos. Os cabelos loiros e lisos contrastavam com
os que se viam na sua própria família e nas mulheres da cidade. Seus olhos de
uma tonalidade verde esmeralda eram mais ternos e belos do que os mais bonitos
das belezas da capital. O rosto formoso era de uma beleza angelical, geralmente
mostrava-se rosado, às vezes exprimindo tristeza ou alegria sem igual.
Gabrielle adorava
contar histórias, seu grande sonho era um dia poder estudar na Academia de
Atenas. Infelizmente a jovem loira não recebera dos pais o que poderia se dizer
realmente de educação. Aliás, ambos não possuíam grandes conhecimentos para
transmitirem as filhas. Mas o acaso tinha favorecido a jovem Gabrielle.
Durante uma das
festividades, em que acontecia o concurso de contadores de estórias, Femios
famoso Bardo da ilha de Ítaca, que gostava de percorrer a Grécia cantando
repertórios compostos de lendas, epopéias e tradições populares, cansado da
viagem resolve pernoitar na pequena cidade, já que Atenas ainda estava a muitos
dias de viagem achou que seria divertido ouvir os contos extravagantes daqueles
iletrados aldeões. Se interessa em participar do evento a convite de Alcíno.
Alcíno era o
organizador do concurso, um velho homem corpulento, de poucos cabelos e barba
grisalha. Filho de um próspero fazendeiro e que teve oportunidade de estudar na
Academia de Atenas. Lá se encantou pelas obras de Homero e Demodocos. Embora
nunca tenha conseguido fama popular, era um Bardo talentoso, mas não caíra no
gosto dos Atenienses. Não gostava de temas comuns. Entre várias composições
próprias como “A festa das bacantes” e “A descida de Orfeu ao Tártaro”,
mostrava uma grande imaginação, que se baseava no terrível e no sobrenatural,
mas que poucas vezes chegava ao excelente.
Na escolha dos
temas Alcíno era mais fiel do que seus contemporâneos, a origem primitiva de
suas estórias introduzia temas que aterrorizavam os ouvintes. Mesmo com o
mérito da originalidade, ele não saiu da obscuridade. Retornando a sua cidade
natal, mas continuando ligado pelos laços da arte, ele cria o evento que com o
correr do tempo passou a fazer parte das festividades da cidade.
A jovem Gabrielle
sempre que terminava os afazeres domésticos e da lavoura, corria para cidade
para se deleitar com as estórias contadas pelo velho Bardo. Algumas vezes ele
falava à moça de valentes guerreiros e príncipes curvados aos seus pés. Outras
vezes fazia-lhe o sangue gelar nas veias, aterrorizando-a com estórias das
harpias, das bacantes, do poder dos deuses gregos e do submundo de Hades.
Tudo isso foi sendo
gravado na memória de Gabrielle de tal maneira que nem a idade, nem a
maturidade puderam apagar. Aquelas imagens a acompanhavam desde a infância.
Pode-se dizer que sua imaginação estava cheia de recordações, sensações de
prazer e medo, tudo junto num emaranhado de sensações que tanto a deleitavam
quanto a aterrorizavam. As estórias que tanto lhe agradavam durante o dia a
fazia despertar assustada, quando estava na cama, no quarto escuro.
O Grande Alcíno -
sim, pois para o povo daquela cidade ele era o Grande Alcíno, o Bardo; um homem
letrado que estudou na capital, insistia que Herodotus permitisse que Gabrielle
participasse do concurso, pois via na doce jovem o dom para contar estórias.
Desde menina ela o divertia com suas estórias recheadas de contos e lendas
típicas da imaginação infantil. Mas o lavrador era irredutível. Dizia que suas
filhas já tinham a educação necessária para camponesas, sabiam ler e escrever,
o que mais podiam querer? Não tinham posses que permitissem melhorar a
educação das meninas.
- De que serviria
ela ser uma contadora de estórias, isso não alimentava ninguém. Além do mais
isso não era coisa para mulheres! - Dizia. Eram camponesas e não passariam
disso. Herodotus decretava assim a sorte das filhas.
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Herodotus era um
homem bom apesar da fisionomia sempre carrancuda e mal humorada. As rugas
profundas marcavam seu rosto queimado de sol. As mãos eram grandes e calejadas
denunciando o trabalho árduo lavrando a terra desde criança. Cresceu, tornou-se
homem. Conheceu Hécuba em uma das festas de solstício.
Ela casara-se com
Herodotus por sua espontânea escolha e amava-o. Todos comentavam como ela
resolvera se casar com um homem grosseiro e intratável como aquele. Por quantos
infortúnios passaram juntos, quantas vezes cuidara dele em suas enfermidades?
Ela não sabia dizer.
Gabrielle sabia que
estava contrariando as ordens de Herodotus, mas o apelo de seu coração; a arte
correndo em seu sangue era mais forte que seu temor pelo pai. Em segredo
inscreveu-se no concurso para alegria de Alcíno. Chegou afinal a hora decisiva.
Acompanhada de sua mãe, Gabrielle dirigiu-se ao teatro. Queria sentir pelo
menos uma vez como era a experiência mágica do palco, o nervoso dos bastidores.
A jovem e a mãe
foram recebidas com entusiasmo pelo Bardo; ela escolhe o tema. - Além do mais que chance teria competindo com candidatos mais
experientes e letrados que eu? - Gabrielle pensou.
As apresentações
seriam julgadas pelo famoso Femios e pelo próprio Alcíno. As extravagâncias e
erros dos candidatos não eram difíceis de serem percebidos, os improvisos eram
aceitáveis até certo ponto, mas variações frenéticas e aterradoras desagradavam
os ouvintes. Os juízes percebiam logo qualquer alteração no texto de uma epopéia.
Bastava um simples murmúrio ou pigarrear dos jurados para fazer os concorrentes
saírem dos Campos Elíseos diretamente para o Tártaro. Depois de um tímido e
rápido olhar em torno, com semblantes humildes, voltavam a executar suas
interpretações.
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Duas horas depois,
o jovem Perdicas entra correndo eufórico na casa de Herodotus gritando: -
GABRIELLE GANHOU O CONCURSO!
O homem se assusta
com grito do rapaz e surpreso diz: - Quê...? Como assim?
- Gabrielle ganhou
o concurso dos Bardos! - Repete o rapaz, mostrando uma alegria tão sincera que
parecia ser ele o ganhador.
Herodotus tratou de
vestir-se com uma casaca e se dirigiu para a cidade. Correu até o teatro.
Que surpresa ao entrar. Estaria sonhando? Terminara a exibição e o triunfo
estava decidido. Herodotus viu no palco sua filha. Uma luz parecia irradiar da
jovem loira. Ouviu a platéia aplaudi-la de pé, extasiada com a jovem. Ali
estava sua filha..., a filha predileta de sua alma, que ele acariciara anos e
anos na obscuridade, na brutalidade de seu modo de ser.
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Logo no início da
apresentação, mesmo acostumada desde muito tempo a ter suas pretensões
artísticas ridicularizadas e menosprezadas pelo pai e pela irmã, Gabrielle
tremeu ao ver a platéia.
- Pelos deuses é
uma mulher! - Alguém da platéia exclama em alto som.
Uma agitação de
desagrado circulou por todo teatro, inquietando seu coração. Em todo caso
insistia na fiel execução do seu papel como único recurso para dissimular a
impressão que causara no público. Sempre que aparece um novo interprete
levanta-se um murmúrio inicialmente parcial, para depois explodir em vaias,
assovios e risos debochados ou num silêncio significativo. A tempestade estava
por um fio. A novidade da sua situação, a recepção dos espectadores, nos quais
nem mesmo a vista daquela singular beleza pareceu produzir a mais leve
impressão, os cochichos maliciosos dos demais concorrentes, tudo gelou seu
raciocínio, emudecendo-a. Em vez da grande eloquência que lhe é característica,
predominava nela a timidez, permanecendo pálida e muda perante aquelas dezenas
de olhares que a crivavam como se fossem fechas.
Naquele instante,
quando parecia que o chão lhe faltava. Gabrielle viu em pé junto a porta, um
rosto de incomparável beleza como de uma deusa; traços marcantes, os olhos de
uma tonalidade azul nunca visto naquela região, uma mulher alta, longos cabelos
negros, de porte esguio e forte, com os braços cruzados sobre o peito impunha
respeito a quem se aproximasse. Pareceu que despertara em sua imaginação uma
daquelas vagas lembranças que ela acariciara em seus momentos de ilusões
infantis. Por mais que fizesse não conseguia afastar seu olhar daquele rosto.
Continuando a olhá-la Gabrielle sentiu o terror e aquele frio ao se apresentar
diante do público desaparecer.
No olhar da mulher
havia uma segurança que a reanimava. Era tamanha a expressão de admiração,
mostrada naquele rosto, que a jovem loira sentiu suas forças voltarem. O
sorriso da mulher produziu uma repentina e vigorosa influência na estreante.
Gabrielle continuava olhando a desconhecida, ela sentia o olhar da mulher
penetrar seu coração.
Em tão crítico
momento, Gabrielle emergiu. Reanimando-se, a loira começou a contar a “Odisséia
de Ulisses”, sem saber que um dos jurados era o autor e o declamador da epopéia
na corte de Ítaca. Apenas se ouvia a sua voz, clara e desembaraçada. Então
Gabrielle esqueceu a platéia e o risco que a ameaçava, exceto os Campos Elíseos
onde se encontrava. A presença da desconhecida servia para aumentar essa
ilusão. Ela sentia como se aquele belo sorriso e aqueles olhos brilhantes lhe
dessem um poder desconhecido. Aquele feitiço só acabou quando terminou a
apresentação e viu seu pai parado junto à porta.
Femios não se
movia, não respirava. Se não fossem as grossas lágrimas que rolavam pela face,
poderia se supor que se transformara em estátua.
Em fim desceu o
pano. Uma tempestade de aplausos! Toda platéia se levantou como se fosse uma só
pessoa. Gabrielle estava pálida e trêmula e em toda a platéia viu só o rosto do
pai. Seguindo a direção daquele expressivo olhar, Femios e Alcíno compreenderam
o seu significado.
A expressão de
Herodotus era de raiva e indignação. As emoções do agricultor pouco se
revelavam na face sempre carrancuda e mal humorada. Não era desses pais
carinhosos que brincam com os filhos que os cercam. Muitas vezes a fina
sensibilidade infantil de Gabrielle afastava-a do pai, indo chorar escondida,
na suposição de que ele não a amava e que sua predileta era Lila. Mas sob a
camada de homem rude, se ocultava um afeto que a jovem foi se apercebendo à
medida que crescia e ambos se conheciam melhor.
Agora o agricultor
sentia que ela estava participando de uma conspiração contra ele. Tamanha
ingratidão era mais cruel e dolorosa que a picada de uma serpente.
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Alcíno conhecendo o
temperamento rude do agricultor corre para Herodotus e o segura firmemente pelo
braço, quase o sacudindo como para tirá-lo do torpor e diz: - Homem escuta a
platéia, tua filha é um êxito, uma artista, ela nasceu com o dom no sangue. Não
a castigue, nem a atormente com tuas grosserias.
Femios se dirige
para a jovem loira, se desdobrando em elogios, aclamando-a como Diva. Por todos
os lugares da Grécia onde tinha andado nunca tinha ouvido sua composição ser
tão perfeitamente interpretada como ela o fizera. Emocionado, enxugando as
lágrimas, ele se apresenta. Gabrielle se surpreende ao saber que estava na
presença de um dos mais famosos Bardos do país.
Depois de ter
ouvido tantos elogios, que a aturdiram, a jovem Barda tentava descer do palco e
passar por entre os admiradores. Seu olhar procura a mulher. Virou a cabeça e
seus olhares se encontraram. Gabrielle sentiu o sorriso dela chegar ao fundo do
seu coração, para nele viver eternamente e despertar em sua alma sentimentos
confusos.
Femios e Alcíno
convidam Herodotus para conversar. O lavrador ouvia os elogios sobre as
disposições artísticas de sua filha; que ela estava destinada a ser a primeira
Barda na Grécia. Inicialmente tamanha era a irritação do homem por ter sido
desobedecido, que relutava em ouvir as razões que os dois mestres Bardos
insistiam em mostrar sobre o talento de Gabrielle.
Quando ouviu a
proposta de Femios custear os estudos de Gabrielle na Academia de Atenas, o
agricultor teve um choque. A proposta caiu sobre ele como uma dádiva dos
deuses. Finalmente alguém da família teria uma vida melhor, mais digna, com
estudo e quem sabe até mais posses. Mas isso teria seu preço, como tudo na
vida. Sabia que perderiam Gabrielle, que perderia sua doce menina para o mundo
teatral.
A proposta do Bardo
provocou uma série de dúvidas e pensamentos nas mentes de Gabrielle e seus
pais. Durante aquele dia os pensamentos de Hécuba eram de presságios que a
filha estava predestinada a algo além de uma vida de camponesa. Herodotus
estava confuso, no seu modo rude de ser, remoia dúvidas e temores que se
embaralhavam à vontade de permitir uma vida melhor a sua filha.
Gabrielle por sua
vez sentia os medos infantis despertarem. Estava amedrontada,
insegura. Estaria em companhia de pessoas estranhas por um longo período, um
mundo desconhecido, sem o colo da mãe para aconchegar-se como fazia quando
criança em noites de tempestades. Mas o dom da arte corria em seu sangue e a
oportunidade que surgiu em sua vida seria única, e ela e seus pais sabiam
disso.
Incapaz de explicar
a si mesma, aquela repentina mudança em seus sentimentos, e pedindo que a deusa
Atena a protegesse tomou uma resolução.
................... A desconhecida.
Como era sedutor
aquele mundo que se abria para Gabrielle. Era o único que parecia se harmonizar
com seus pensamentos. Femios lhe dera os mestres mais afamados. Ia ler,
estudar, aprender a descrever com gestos e olhares as estórias que iria contar
para o público.
Um dos mestres
sempre dizia que pessoas como ela, de imaginação simples e coração puro sabem
distinguir nas estórias que leem ou nos cantos que ouvem a diferença entre a
arte verdadeira e a falsa.
Fora dos estudos
Gabrielle era simples, afetuosa e dócil, mas às vezes seu humor se alterava sem
razão aparente. De vez em quando o rosto daquela mulher desconhecida surgia na
sua mente de maneira tão viva como foi na primeira vez, que fazia surgir um
sorriso no seu pequeno rosto. Mas também era comum ver a loira deixar sua
alegria corriqueira e sentar-se em algum canto muda e pensativa.
Frequentemente
Gabrielle entrava nos jardins da academia, sentava-se a sombra da parreira,
olhando pra o céu azul e as nuvens que se dispersavam com o vento. Muitas vezes
ficava construindo castelos no ar até aparecer a primeira estrela nos
crepúsculos do verão. O sonho é um privilégio humano, mas os sonhos de
Gabrielle eram mais frequentes, mais distintos. Pareciam sonhos proféticos.
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A educação
artística de Gabrielle terminou aos 18 anos. Femios declara que chegara o dia
de escrever um novo nome na sociedade artística Ateniense e depois seguiriam
pelo país encantando o público. Ao mesmo tempo notava-se que o Bardo andava
irritado com sua pupila. Sucediam conversas entre eles que nem sempre
terminavam bem. Chegando a dizer publicamente: - Que moça ridícula, é tão louca
e estúpida quanto o pai. Vive questionando tudo!
Um dia tudo
terminou com uma forte discussão. Gabrielle retorna para casa. Não o
acompanharia, tinha desfeito o contrato.
Sem conhecimento
das dificuldades da relação entre Femios e Gabrielle, Herodotus tinha a
esperança que sua filha se tornaria famosa. A zanga da moça o desgostara muito,
sempre que podia resmungava sobre o assunto, mas a família a acolheu festiva e
carinhosamente.
Herodotus tinha o
hábito de deitar-se após o almoço para descansar o corpo. Durante esse período
Hécuba e Lila costumavam sair para fazer as compras caseiras ou para conversar
um pouco com as outras mulheres nas vizinhanças de sua casa. Gabrielle por sua
vez costumava visitar Alcíno e os dois conversavam longamente sobre poesias,
contos e sonhos não realizados. Sentavam-se a sombra de uma parreira que
formava um caramanchão sombreando a entrada da casa do Bardo. Mesmo quando não
estavam conversando a moça gostava de olhar as folhas da parreira e de longe
fixava o olhar em algum ponto do céu. Enquanto a loira estava com o pensamento
divagando, sentada à sombra do caramanchão, passava pela rua com passos firmes
uma mulher puxando pelas rédeas um belo cavalo amarelado de crina, cauda e
patas brancas. Abaixando os olhos de repente Gabrielle espantou-se ao ver a
desconhecida do teatro e sem pensar duas vezes a chama: - Oláááá moça!
A mulher vira-se,
olhando-a com certa surpresa. Depois de dois anos fora da cidade elas voltaram
a se encontrar. Os olhos azuis se fixaram no lindo rosto da loira. Eram de tal
maneira profundos que Gabrielle se desconcertou.
- Olá! - responde a
mulher ensaiando um sorriso.
A loira estava
totalmente embaraçada, sem saber por que a tinha chamado e agora não sabia o
que falar com a morena a sua frente. Um longo silêncio pairou no ar. No entanto
nenhumas das duas deixaram de se encarar. Finalmente a mulher quebra o
silêncio: - Você quer falar comigo?
- Ah é..., bem é
que eu queria lhe agradecer, embora você não saiba o motivo. - Diz a loira sem
jeito.
- Me agradecer pelo
que? – A mulher pergunta intrigada.
- Bom por uma coisa
que aconteceu a dois anos atrás, um concurso de Bardos que teve por aqui
durante o solstício de verão..., mas que bobagem a minha, é claro que você não
vai se lembrar.
- Está enganada
jovem, eu lembro sim, você ganhou o concurso não foi? - Responde a mulher,
abrindo o belo sorriso que encantou Gabrielle e que vivia em suas lembranças
desde o dia que a vira pela primeira vez.
A expressão de
surpresa e o embaraço de Gabrielle diverte a mulher. - Você é de onde? -
Pergunta a loira tentando continuar a conversa.
- Sou de Amphípolis,
mas vivo na estrada, não tenho lugar fixo. - Responde a mulher e continua: -
Qual o seu nome menina?
Gabrielle zangada
responde: - Eu não sou mais uma menina; tenho 18 anos e meu nome é Gabrielle.
- Certo Gabrielle,
gostei de conhecê-la, meu nome é Xena. - A mulher faz menção de continuar seu
caminho, mas a loira está fascinada com aquela estranha; sua respiração estava
alterada.
- Onde você está
indo? - Pergunta a loira curiosa.
Um levantar de
sobrancelha era sinal que a curiosidade da loira já começava a incomodar. -
Você é curiosa hein? ... Vou à taberna beber alguma coisa,depois vou comprar
mantimentos para viagem e partirei. - Xena responde secamente.
- Mas..., você já
vai? Não vai ficar na cidade mais um pouco? - Gabrielle pergunta ansiosa, demonstrando
seu desconforto com a partida da mulher.
Xena para e examina
as feições delicadas da linda Barda e diz: - Escute, agora que o acaso nos
colocou tão próximas quero te dar um conselho, eu não sou uma boa companhia.
Acredite.
Quando Xena se
cala, Gabrielle a encara com o semblante triste. Compreendendo a gravidade do
conselho ela tenta dizer algo, mas sua garganta trava com um nó sufocado.
Xena a observa,
inexplicavelmente também sentia certo incômodo em deixar aquela jovem, mas ela
tinha uma vida de guerreira errante, perigosa e solitária, e já tinha se
acostumado com isso. Finalizando a conversa ela diz: - Adeus Barda, sucesso no
seu caminho!
- Adeus Xena!
Mas... - Depois de uma breve pausa, um impulso irresistível, um vago sentimento
de perda e de esperança, faz Gabrielle insistir: - Não a verei mais em Potedaia
não é?
- Não. Pelo menos
por algum tempo, parto amanhã de madrugada. - Xena responde secamente e foi
afastando-se lentamente.
Gabrielle
permaneceu silenciosa e meditativa. Acompanhou Xena com o olhar como se
quisesse detê-la. Sem dúvida daria tudo para vê-la voltar, para ouvir ainda
aquela voz firme e sonora.
Xena seguiu pelo
caminho que levaria a taberna, puxando tranquilamente o cavalo pelas rédeas.
................... Rapto frustrado.
Em uma noite de
esplêndido luar, Xena está sentada sob uma árvore junto à fogueira, amolando a
espada. Por mais que tente evitar, seus pensamentos constantemente se voltam
para a jovem Barda. A delicada beleza da loira parecia tê-la enfeitiçado. Seus
olhos, seu sorriso, seus cabelos dourados. Tudo naquela pequena jovem mexia com
seus sentidos. Embora preferisse dizer que tinha se interessado pela contadora
de estórias, sabia que no seu íntimo se interessara mais pela moça.
- Por Zeus, o que
está acontecendo comigo? - Disse a si mesma. O desejo de rever Gabrielle era
quase incontrolável. Levanta-se e verifica se o cavalo está bem. - Boa noite
amigo! - Diz enquanto acaricia o focinho do animal. Arruma a manta próximo à
fogueira. Acomoda-se, mas não consegue dormir, olha o céu iluminado pela lua.
- Que será que ela
está fazendo agora? - Pergunta a si mesma.
A noite seria bem
longa.
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- Você já se
apaixonou por alguém Lila? Um amor de verdade que quando você pensa na pessoa,
não pode se imaginar com outro alguém? - Gabrielle pergunta, tentando puxar
conversa com a irmã sonolenta com quem divide o quarto.
- Huumm...
Gabrielle vai dormir! - Responde Lila se remexendo na cama se acomodando
melhor.
A loira insiste,
mas não obtém nenhuma resposta, passados alguns minutos ouve o ressonar da
irmã. Gabrielle acomoda-se, mas não consegue dormir, andava dormindo pouco, e
quando dormia seu sono era agitado. Já tinha decorrido um ano desde que Xena
tinha partido. Todos tinham esquecido dela, exceto o coração de Gabrielle.
Frequentemente a loira sonhava com ela e acordava sobressaltada, suada. Eram
sonhos tão reais como se Xena a estivesse realmente tocando; seu sorriso, seus
olhos, seu porte, a lembrança daquela mulher não lhe dava sossego. Tinha que
voltar a vê-la. Mas como? Não tinha notícias dela; sem paradeiro e solitária.
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Novamente as festas
de solstício de verão chegam. O teatro era reaberto; o concurso de Bardos se
tronara conhecido em outras cidades. O número de candidatos crescia a cada ano.
Gabrielle já era uma Barda conhecida não só na cidade, mas em várias outras
próximas. Nos dias de suas apresentações o teatro lotava. Suas
interpretações faziam derramar lágrimas ou inspiravam raiva. Não se
poderia encontrar outra mulher que compreendesse melhor o amor ou os ciúmes
expressos nas palavras.
Entre seus
admiradores tinha um que ela sempre permitia a aproximação e conversavam com
mais frequência, talvez por ser tímido ou porque não via inconveniência nessa
admiração. Gabrielle começou a querer bem ao rapaz ou amá-lo talvez. Seus
sentimentos em relação à Perdicas ainda eram confusos.
Seguindo seu hábito,
naquela noite Perdicas foi ao teatro. Por trás da cortina observava Gabrielle,
que interpretava um dos mais belos contos gregos. Os aplausos ressoavam pela
sala. O orgulho e a paixão eram visíveis no rapaz.
Essa encantadora criatura ainda pode ser minha. - Pensava.
Enquanto estava
absorto nesse pensamento viu uma mulher observando Gabrielle por trás da
cortina, assim como ele. Antes que pudesse caminhar para onde ela estava, a
mulher desaparece se misturando aos outros competidores.
A Barda interpretava
o conto de uma pessoa que ama sem ser correspondida e sentia sinceramente sua
interpretação. De repente ela sente seu coração quase parar quando se depara
com a mulher que se distinguia dos demais pelo traje, o porte e a
extraordinária beleza. O auditório escutava atento. Os olhos da Barda, no
entanto buscavam somente os de uma fria e indiferente espectadora. Xena ouvia.
Embora observasse a Barda com atenção, nenhuma emoção alterou o semblante frio
da guerreira. Quando termina o conto, as lágrimas corriam pelo rosto da loira.
A platéia aplaudiu
de pé o desempenho da Barda. Muitas mulheres não continham as lágrimas.
Gabrielle tinha acabado de deixar o palco. Perdicas aproximou-se dela com
flores e galanteios apaixonados, que ainda não tivera coragem de dizer. Apesar
disso, a loira não deu atenção às palavras do rapaz.
Ela é ovacionada
pelo público que pede seu retorno ao palco; retorna ao palco mais pela
ansiedade de ver Xena do que para atender ao apelo da platéia, mas não encontra
mais a mulher. A tristeza se abate imediatamente sobre seu coração; sente a
profunda dor do desprezo. Curva-se em agradecimento e retorna aos bastidores
não contendo mais as lágrimas de tristeza.
Todos acreditam que
são lágrimas de emoção, pois nenhum mortal tem o poder de ver como seu coração
está sangrando.
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- Por Zeus! -
Exclamou o rico comerciante de Corinto que fazia da pacata Potedaia sua parada
obrigatória para descanso de viagem. - Esta jovem acendeu uma paixão em minha
alma. Hoje, nesta noite ela será minha! - O homem de estatura acima da mediana,
robusto, calvície acentuada e olhos negros, tinha uma expressão resoluta. Faz
sinal para o criado franzino que o acompanha.
- Philemon avisa os
outros criados que hoje à noite terão o serviço de raptar essa linda moça e
levá-la para meus aposentos. Prepare tudo. - Ordena o comerciante.
O criado o olha
espantado: - Senhor..., isso é certo? A Barda enfeitiçou o senhor? Quando ela
voltar para casa irá falar sobre essa violência. Pense bem senhor.
- Idiota, como
ousas discutir minhas ordens, faça o que estou mandando! - Esbraveja o homem.
- E se o rapaz
acompanhá-la? - Pergunta o criado se referindo à Perdicas.
- Quem? Aquele
imbecil presunçoso? Vai pagar caro se segui-la. Não quero nenhum rival. Ladrões
vão assassiná-lo entendeste? Para melhor encenar o assalto, tirem tudo que ele
estiver levando. Deixo em tuas mãos. - Determina o homem.
O criado inclina-se
em obediência e se afasta, indo providenciar o que lhe foi ordenado. Nenhum dos
dois percebe a mulher em pé as suas costas, que sai logo em seguida ao criado.
Gabrielle volta
para casa acompanhada pela mãe, a irmã e Perdicas. À noite a pálida luz da lua
mal iluminava o caminho. A chama da tocha que o rapaz carregava, produzia
sombras fantasmagóricas na estrada. Caminhavam pela parte menos habitada da
cidade já iniciando a área rural. De repente o grupo foi cercado por seis
homens armados de punhais e paus; quatro bem fortes, um mais franzino e o
último deles se mantém mais afastado segurando os cavalos, apenas observando.
O mais forte deles
agarra o braço da loira, para puxá-la do grupo. Hécuba se mostrou uma
adversária inesperada. Repeliu o agressor com um vigor que surpreendeu o homem.
Lila assustada esboça uma reação, mas é violentamente empurrada pelo outro
homem caindo no chão, Perdicas tenta reagir, mas um soco o atinge, derrubando-o
no chão. Imediatamente os homens ameaçaram agredir os três a pauladas, já que
tinham ordens de não machucarem a loira.
Gabrielle se
debatia, tentando se soltar, mas seu esforço era em vão. O homem parecia não
sentir os desajeitados socos que a loira lhe dava. Ele agarra Gabrielle pela
cintura e a joga sobre o ombro como se carregasse uma saca de trigo. De repente
saindo da escuridão ouve-se um urro aterrorizante. O primeiro homem foi
atingido com um violento chute nas costelas e logo em seguida tem sua garganta
cortada, fazendo o sangue espirrar a distância; apesar da surpresa os outros
reagem tentando acertar o vulto que se movia e se esquivava dos golpes com uma
agilidade felina. Uma espada gira em arco no ar, cravando profundamente no
abdômen do segundo homem. O homem mais franzino está paralisado, suas pernas
tremem, não esboça nenhuma reação e cai desmaiado de pavor. Simultaneamente
Lila e Hécuba socorrem Perdicas ajudando-o a se levantar.
Todos olhavam
espantados. O vulto atacava com uma fúria bestial.
O quarto homem
recebe um violento chute no joelho, o homem grita de dor agarrado ao joelho,
antes que ele atinja o chão recebe um chute no queixo, fazendo voar uma massa
de dentes e sangue. O homem caiu com a mandíbula deslocada e o joelho partido.
A espada gira novamente no ar e desce sem piedade no peito dele. O vulto
partiu para cima dos outros dois bufando fúria, com os olhos chamejantes, onde
não se reconhecia qualquer traço do azul que lhe era nato. O homem que
carregava Gabrielle já estava próximo aos cavalos. O outro já o aguardava
montado pronto para partir em disparada pela estrada escura. Um zunido de
alguma coisa cortando o ar em grande velocidade; um grito de dor e o homem
desaba no chão com o tendão do calcanhar cortado profundamente. Gabrielle sente
o choque da queda e tenta se desvencilhar do corpo pesado do homem. Nesse
momento o vulto se aproximou, pareceu-lhe gigantesco; o homem ferido como
último recurso tira o punhal do cinto e tenta alcançar Gabrielle. Quem sabe
poderia usá-la como escudo?
Com a velocidade de
um raio, o homem tem a mão do punhal decepada. Ele berra de dor, o sangue jorra
por todos os ferimentos. Mais um giro da espada e o peito dele é traspassado
sem piedade. O outro homem já tinha disparado pela estrada abandonando os cadáveres
de seus companheiros.
O vulto retira do
calcanhar do cadáver o disco de metal liso e achatado, de borda afiada que em
toda sua superfície tinha um desenho entalhado, limpa a espada e o disco na
roupa do morto, guarda a espada na bainha presa as costas e prende o disco na
cintura da roupa de couro preto.
Perdicas, Lila e
Hécuba tentam identificar o vulto com a fraca luz da tocha; ficam boquiabertos
quando veem que é a mulher que estava no teatro assistindo Gabrielle.
A mulher ajuda
Gabrielle a levantar. Quando se ergue novamente, ela se depara com o rosto de
Xena. Suas pernas tremem, seu rosto enrubesce, seu coração parece que vai
parar. De repente foi como se o tempo tivesse parado, as pessoas, tudo tinha
desaparecido. Só existia aquela linda mulher a sua frente.
- Você está bem? -
Xena pergunta.
Sem responder
Gabrielle a abraça. Por não estar acostumada a demonstrações de carinho, a
princípio Xena fica surpresa e desconcertada, mas a proximidade do corpo de
Gabrielle, o cheiro de seus cabelos, sua pele quente e macia, desmancham as
defesas da guerreira. Ela abraça a loira com força, aconchegando aquele pequeno
corpo ao seu. Pelos deuses, que sensação
maravilhosa. - Pensava enquanto sentia seu coração disparar. Agora ela não tinha mais
dúvida em relação ao seu sentimento por Gabrielle.
................... Sentimentos inexplicáveis.
Xena acompanhou o
grupo até a casa de Gabrielle. Hécuba foi cuidar dos seus serviços, deixando os
quatro na sala. Agora sob a claridade das inúmeras velas Xena olhava a cabeleira
dourada, um tanto em desalinho, caída sobre os ombros da Barda. Os olhos verdes
cheios de ternura e agradecimento e as faces rosadas da agitação.
Lila tentava puxar
assunto com Perdicas, mas o rapaz mal lhe dava atenção, observava a admiração
com que Xena olhava para a loira.
Nesse instante
Herodotus chega na sala acompanhado da mulher. Quando Gabrielle e Lila veem o
pai correm para abraçá-lo. A mulher já o informara que foram atacadas. Ele
abraça as filhas e se dirige à Perdicas para agradecer ter salvado suas três
preciosidades. Lila e Hécuba se entreolham. Gabrielle sente o rosto queimar.
- Não pai, você
está enganado, quem nos salvou foi Xena. Se estamos todos bem foi graças a ela!
- Diz a loira.
Herodotus olha
espantado para a mulher examinando-a dos pés a cabeça. Xena encara a fisionomia
carrancuda e o olhar duro do agricultor. Com um seco “Obrigado”, ele agradece a
guerreira. O ar na sala ficou tenso. Hécuba quebra o silêncio com um riso
nervoso; chama Lila e Gabrielle para ajudarem a preparar uma pequena ceia para
comemorarem o dia que terminara com todos bem.
Perdicas, Herodotus
e Xena se examinam discretamente. Apesar de conversarem, um clima desagradável
pairava entre os homens e a guerreira que não estava acostumada a esse tipo de
confronto; pedia aos deuses que Gabrielle voltasse logo, se sentia como um
peixe fora d’água e isso a irritava.
Onde estou com a cabeça? - Pensou.
Desculpando-se, por não poder ficar para a ceia ela se despede.
Algum tempo depois
Hécuba e as duas filhas voltam alegres para a sala, trazendo uma tigela com
frutas e uvas secas, uma saborosa polenta, pão e uma jarra de vinho. Mas o
sorriso de Gabrielle desaparece quando não encontra Xena.
- Onde Xena está?
Foi embora? O que aconteceu? - Pergunta a loira. - Um olhar de cumplicidade
entre Herodotus e Perdicas não passa despercebido da loira que sente o sangue
ferver, os olhos faíscam de raiva, fuzilando os dois homens que ignoram o
acesso. Ela corre para fora da casa, procurando por Xena. Olha aflita em todas
as direções, mas sabe que não vai encontrá-la.
Perdicas a segue
segurando-a pelo braço. - Me solta! - Ela exclama. Apesar de
surpreso com a reação da loira o rapaz tenta acalmá-la. Depois de certo tempo
retornam para a casa com Gabrielle se esquivando dos braços do rapaz que
insistia na tentativa de abraçá-la para que se acalmasse.
Hécuba e Lila não
cabiam em si de alegria, os homens conversavam e bebiam animadamente. Era uma
comemoração simples, mas significativa. Gabrielle participava, mas não com o
mesmo entusiasmo que os outros; mantinha o rosto apoiado nas mãos e o olhar
divagando pelo espaço.
...........................................
Gabrielle levanta
junto com o sol, passara a noite em claro, pensando em Xena. Tinha que
encontrá-la, falar com ela. Agradecer, mas na realidade era um pretexto para
vê-la, pois não tinha coragem de dizer que sentia sua ausência; de como tinha
se sentido protegida em seus braços. Vai até a cidade, procura por ela e
encontra Xena ajustando os arreios no cavalo.
- Xena! - A voz
suave de Gabrielle, faz a guerreira se virar, mas sua fisionomia é séria e
fria.
- Olá Barda, teve
uma boa noite? - Xena pergunta, procurando não mostrar um real interesse.
Gabrielle se
aproxima e toca o braço da guerreira. O simples toque da loira estremece Xena,
mas ela se controla e continua a arrumação para a viagem.
- Xena..., Xena,
por favor, precisamos conversar. Olhe para mim. - A voz suplicante de Gabrielle
amolece o coração da guerreira.
- Está bem mocinha,
o que você quer falar? - Xena vira-se e se depara com aflitos olhos verdes e um
rosto triste e abatido de quem passou a noite às claras. Sua vontade é abraçar
a doce criatura, mas resiste à tentação.
- Olhe, eu não sei
o que aconteceu ontem à noite lá em casa. O que meu pai te disse, mas seja lá o
que for eu quero pedir desculpas. - Diz a loira.
Xena a encara e vê
no fundo daqueles olhos a pureza da alma e a sinceridade dos sentimentos
daquela linda moça. Ela diz: - Não houve nada demais, apenas ficamos
conversando. - Após uma breve pausa a guerreira continua. - Aquele rapaz...
Perdicas..., ele gosta de você, vai fazê-la feliz! - Xena engole em seco.
A expressão de
surpresa de Gabrielle é visível. - Quê?
Gabrielle fica
confusa, ouve atentamente o que Xena diz; enrubesce quando ela se refere à
Perdicas; abaixa a cabeça e esconde o rosto entre as mãos. - Xena escute...,
eu..., eu não amo Perdicas.
Gabrielle se
aproxima, seu lindo rosto mostrava a aflição de não conseguir expressar o que
sentia; os sentimentos confusos que embaralhavam seus pensamentos. Não
conseguia explicar a sensação de sentir seu corpo queimar, seu coração bater
mais rápido, os estremecimentos que sentia quando estava perto de Xena ou
quando ela a encarava com seus olhos azuis e a sensação maravilhosa que teve
quando se abraçaram na noite anterior, de aconchego, segurança, de sentir sua
vida preenchida.
A guerreira
interrompe a Barda: - Talvez você não o ame agora, mas vai amá-lo quando o
conhecer melhor. Repito, você será feliz e estará segura com ele. Vocês
formarão uma bela família. Nunca pensou num lar onde seu marido fosse ele?
A loira recua com
os olhos marejados de tristeza e aflição: - Não! Nunca pensei nisso! -
Gabrielle responde com energia.
A Barda fixa o
olhar em Xena e continua: - Escute ..., não confunda o sentimento que...
- Gabrielle titubeou, mas logo continua. - que tenho por Perdicas. Não
sei o que sinto por ele, mas posso dizer que não é o mesmo que..., que sinto
por você. - A loira enrubesce, a voz aflita denunciava o nervosismo. - Se o
amor é como descrevem, como tenho lido, como tenho interpretado no palco, o que
sinto por ele é apenas um afeto de amigo. O que sinto por você é diferente...,
é como se fosse uma atração sobrenatural. Não sei explicar. - A loira sente o
rosto em brasa, está trêmula e desconcertada.
Xena esta surpresa
com o que acabara de ouvir. Aquela jovem pura de corpo e alma estava abrindo
seu coração de maneira tão sincera que o sentimento de alegria e felicidade
estremece o coração da guerreira. Mas sua vida era perigosa, errante, não
pediria que Gabrielle a acompanhasse por mais que sentisse sua falta, por mais
que a angústia oprimisse seu peito.
Num fio de voz
Gabrielle pede: - Por favor, me leve com você. Essa vida não é para mim, eu
quero que você me ensine tudo que sabe.
- Sabe o que está
pedindo? Você não tem noção do perigo que vai correr! - Diz Xena.
Gabrielle não
responde, num rompante ela abraça Xena se aconchegando em seu peito. - Sinto
sua falta! - Gabrielle murmura emocionada.
A guerreira sente
como se o ar faltasse, com um esforço digno de Hércules, ela afasta a loira e
diz: - Gabrielle, meu destino é incerto. Se alguma coisa lhe acontecesse seus
pais jamais me perdoariam. Por favor, não torne as coisa mais difíceis. Você
viu do que fui capaz com aqueles homens ontem à noite. Pense bem, você seria
capaz de conviver com isso? - Pergunta a guerreira.
A Barda fica
pensativa: - Eu quero seguir com você para onde você for. - Diz por fim.
- Gabrielle..., eu
não sou boa com palavras. Sou uma guerreira, minha vida é na estrada, e a
estrada é uma vida de perigos, de privações, de solidão e isso não é para você.
Não posso tirá-la da sua família, do seu conforto, de ter um futuro tranquilo,
seguro, bem melhor do que estando comigo! - Xena sente imensa ternura pela
jovem. Um sentimento até então desconhecido para ela. Procura forças no mais
profundo de suas entranhas para resistir à vontade de abraçar e acariciar
Gabrielle.
Uma breve pausa e a
guerreira continua: - Você está impressionada comigo, só isso. O melhor que
você fará será me apagar da sua vida..., do seu coração. - A voz da guerreira
era firme e fria, totalmente oposta aos desejos de seu coração.
- Xena, não se
mostre para mim como um presságio de tristeza e desgraça... - Gabrielle deixou
de falar. Faltou a voz, enquanto brilhavam lágrimas em seus olhos. Passados
alguns segundos volta a falar com a voz trêmula: - Algumas vezes em meus sonhos
eu a vi diferente, tinha uma alegria radiante, tranquila, que não vejo agora...
Pensa que se mandasse no meu coração teria escolhido sofrer por um sentimento
não correspondido? - As lágrimas desciam pelo pequeno rosto, novamente abaixa a
cabeça e esconde o rosto entre as mãos. Não consegue mais falar. O choro embora
controlado, não consegue ser disfarçado.
Xena sente seu
coração bater mais forte, sua respiração quase para; se aproxima de Gabrielle;
levanta seu rosto molhado de lágrimas e as enxuga com delicadeza. Demorou-se
examinando com ternura cada pedacinho daquele rosto angelical. As sobrancelhas,
os olhos verdes esmeralda, o nariz, os lábios, o queixo, tudo era perfeito. Sem
duvida a loira tinha sido abençoada por Aphrodite.
- Por favor, não
insista. Eu vou partir e não sei se voltaremos a nos ver algum dia. Me esqueça.
- A voz de Xena era amargurada. - Não me crie problemas. Volte para sua família
e seja feliz! - A guerreira vira-se para o cavalo e volta a ajustar a cela. Um
nó sufoca sua garganta. Mas não voltará atrás.
Gabrielle cruza os
braços sobre o peito, inclina-se como se sentisse uma dor aguda. As palavras de
Xena a atingiram como a profunda estocada de uma lança. Ela sai disparada
chorando.
................... Surpresas inesperadas.
A jovem Barda
estava sentada do lado de fora da casa. Seus olhos miravam o distante céu azul
absorta em seus pensamentos. Um pouco atrás na soleira da porta, via-se Hécuba
com as mãos metidas nos bolsos do avental.
- Filha...,
Perdicas é um bom homem, trabalhador, decente e ama você. Nós faríamos muito
gosto que vocês se casassem. - Disse a mulher com a terna voz materna.
Gabrielle dá uma
rápida olhada para mãe e volta a olhar o céu sem responder. O coração de Hécuba
sofria com a tristeza da filha que não era exposta com palavras, mas sentida no
coração, e coração de mãe não se engana.
Hécuba percebe que
não adianta falar mais nada, pois não terá resposta. - É..., já está na hora,
daqui a pouco seu pai vai chegar. Vou preparar a polenta. - Dá uma última
olhada para a filha e entra.
Desde que conheceu
Xena e seus olhos azuis a encararam, ela se sentia diferente. Agora não veria
mais a princesa dos seus sonhos. Já fazia oito meses desde que ela partira
novamente. A única vontade que Gabrielle tinha era fugir de si mesma,
desaparecer. Sentia no coração uma inquietação inexplicável. À noite centenas
de lembranças trazem a guerreira de volta a sua vida.
Enquanto estava
perdida no seu mundo, aproxima-se um homem sem ser percebido, tocando-lhe
levemente o braço diz: - Olá linda Barda!
Gabrielle vira-se
rapidamente, ensaiando um sorriso ao ver Perdicas, sua presença a trás de volta
ao mundo real.
- Posso me sentar?
- Pergunta o rapaz.
A loira sorri
levemente, mesmo com a fisionomia abatida não perdera os encantos. Perdicas
tomou o sorriso como consentimento e senta-se ao lado dela.
- Gabrielle preciso
que me escute... - Ele engole em seco; retorce as mãos de nervoso, sente um
suor frio brotar na testa. Gaguejando vez ou outra; Perdicas expõe seu desejo
de tê-la como esposa.
A loira ouvia tudo
de olhos baixos. Sem mostrar surpresa ela o encara e responde: - Perdicas não
sou insensível aos seus sentimentos, sei que você é sincero, tenho um grande
carinho por você, mas não me sinto capaz de te fazer feliz.
- Você é capaz sim.
Você é a criatura mais doce que conheço. - Ele responde.
- Eu..., eu não
sei, talvez..., talvez você tenha razão, todos nós queremos ter um lar... -
Falava com um tom saudoso.
- Eu gostaria de
ter uma família, fazer a minha família, mas teria que ser com a mulher que eu
amo e sempre amarei..., você. Eu te amo Gabrielle. - Disse acariciando os
cabelos da jovem. Perdicas levanta delicadamente o rosto da loira e beija seus
lábios com ternura. Hécuba assiste a tudo pelas frestas da janela.
Mais alguns meses
se passaram. A constante presença do rapaz vai aos poucos tranquilizando o
coração da loira. Chegava a se sentir mais animada e alegre com suas visitas.
Embora sentisse no seu íntimo o vazio de um amor não correspondido.
A Barda desperta de
uma longa noite mal dormida. Sentiu o desejo de escrever, desejo nascido da
alma, do coração. Adorava o cheiro do pergaminho novo. Resolveu expor em
palavras seu sonho e pensamentos. Enquanto escrevia, suspirava, estremecia,
corava.
Quando termina,
relê o que escreveu e percebe que o poema se inspirava numa certa pessoa e não
era Perdicas.
...........................................
Em uma das ruas
mais movimentadas da cidade, fica o sobrado de um dos mais ricos comerciantes
de Corinto. No salão a porta finamente entalhada, separava o único ambiente que
não ostentava o luxo dos demais cômodos. Uma grande mesa retangular ocupava o
centro da sala. Sobre a mesa um punhal usado para tirar os lacres de
documentos, um tinteiro, uma pena e vários pergaminhos virgens. Três grandes
janelas permitiam a entrada da claridade do sol, uma suave brisa arejava o
cômodo, balançando levemente as cortinas de algodão branco que decoravam as
janelas. Uma mesa próxima a uma das janelas acomodava um vaso com água, taças e
uma bandeja de prata com frutas.
Nesse cômodo se
encontra um homem de estatura acima da mediana, robusto, calvície acentuada e
olhos negros, vestido com uma túnica bordada, presa nos ombros por broches
igualmente preciosos e seu franzino criado.
- Bem Philemon... -
disse o homem olhando com desprezo o criado, que permanecia em pé junto a uma
coluna. - Ainda não me refiz da decepção, tu me falhaste quando eu mais contava
contigo. Além do prejuízo de ter perdido quatro escravos.
O criado permanecia
de olhos baixos, suas costas ainda doíam dos dez açoites que levara. Pelo menos
foi um castigo menor que o outro criado que fugiu a cavalo.
O homem continua: -
É lamentável que não tenhas visto o miserável que prejudicou meus planos
naquela noite. Tem certeza que não existe nada que possa identificá-lo?
O criado se limita
a balançar a cabeça afirmativamente sem levantar os olhos. - Tens certeza? -
Insiste o comerciante.
Philemon repete o
gesto. - RESPONDE FILHO DE UMA BACANTE! - Berra o homem.
O criado tem um
sobressalto e gaguejando responde: - Te... tenho sim senhor. - Philemon não se
atreve a contar ao seu senhor que o grupo foi quase todo exterminado por uma
mulher. Uma mulher que tinha a força de dez homens, que lutava com uma fúria
bestial como se estivesse possuída por Ares. Mantinha a lembrança viva na
memória; ela trazendo-o de volta a consciência e logo em seguida pressionando
dois pontos em seu pescoço. A voz dela ainda ressoava em seus ouvidos.
- Acabei de
cortar o fluxo de sangue para o seu cérebro, você tem trinta segundos para me
dar algumas informações, senão...
Ele vai engasgando
com a própria saliva, o nariz começou a sangrar. Os esforços para respirar eram
em vão, o ar começava a faltar. A mulher apoiou um joelho no chão ao lado dele.
Ele se debatia, tentando respirar, um filete de sangue começava a escorrer da
boca, as artérias do seu pescoço estavam inchando, a dor em sua garganta era
insuportável, como se o estivessem enforcando, suas têmporas latejavam, foi
ficando com uma tonalidade arroxeada, seu cérebro estava prestes a explodir
tamanha a pressão.
- Aaahhrr..., -
Tentava gritar.
- O tempo está
passando..., - A mulher sadicamente o aterrorizava. - Vai logo seu miserável,
conte tudo!
Naquele momento ele
se acovarda e delata todo o plano do rapto e seu mandante. Sem nenhuma palavra,
ela pressionou novamente os mesmos dois pontos no pescoço desfazendo a
paralisia e lhe dá um potente soco no queixo. Ele desmaia
instantaneamente.
A voz do
comerciante o traz de volta à realidade. - Necessito de consolo pela perda de
minha “querida” esposa e quem poderia me oferecer maior distração que aquela
linda e virgem Barda? - Diz o homem com sarcasmo.
O criado não se
atreve a falar nada, se mantém de olhos baixos, murmurando ele pergunta: -
Outra emboscada, senhor?
O homem o olha com
desdém. - Já planejei tudo. Hoje tem uma apresentação da Barda em Potedaia.
Quando a jovem sair do teatro quatro homens já estão esperando por ela e mais
três armados acompanharão de longe, caso apareça algum herói tentando salvar a
moça.
Philemon tenta
dizer: - Mas senhor... - Sua frase é interrompida com o berro do comerciante. -
CALE-SE! SE NÃO QUISER SER ESFOLADO VIVO COISA INÚTIL! - O homem furioso segura
o criado pelo pescoço com força quase o sufocando.
Antes que Philemon
abrisse a boca, um criado entra na sala e anuncia que uma mulher deseja
falar-lhe. O comerciante solta o pescoço do criado. Acomoda-se na cadeira e
ordena que a mulher entre. Philemon empalidece, seu corpo todo estremece ao
reconhecer a desconhecida que matara os quatro homens na noite do rapto
fracassado. Ele se comprime contra a coluna com medo, seu coração bate
apavorado, parece que vai sair do peito.
O comerciante
examina a mulher com estranheza. Apesar da indiscutível beleza, o porte, o
caminhar firme, o traje que ela usa não era característico das mulheres de
Corinto. - Uma estrangeira. - Pensou.
- Pois não bela
mulher, o que deseja? - Diz o homem cumprimentando-a. - Como é mesmo que se
chama?
A mulher se
aproxima da mesa. Sua figura imponente impressionava. A voz é firme e
ameaçadora. - Meu nome é Xena e vamos direto ao assunto. Parece que o senhor
tentou molestar uma amiga. Quero preveni-lo que não torne a chegar perto dela
novamente.
O homem espantado
se recosta na cadeira, seus olhos denunciam certo nervosismo. Philemon trêmulo
se comprime ainda mais contra a coluna, amedrontado não se atreve a erguer a
cabeça. O homem lançou um olhar de irritação para o criado. Esforçando-se para
dominar a raiva e a confusão, ordena ao criado: - Me traga água, estou com
sede. Aceita uma taça senhora?
Xena não responde,
o encara com frieza. A ameaça velada em seu olhar o faz estremecer. Os olhos
azuis eram puro ódio. O semblante tenso mostrava que o aviso estava dado. O
comerciante tentava evitar aquele olhar.
- Está havendo
algum engano senhora, não sei do que está falando. - Diz o homem.
Xena espalma as
mãos sobre a mesa, se inclina ligeiramente sem desviar o olhar ameaçador e diz:
- Afaste-se da Barda. Se alguma coisa acontecer a ela eu vou caçá-lo nos
confins do Tártaro e nem os deuses poderão lhe salvar. - Ela estica o corpo
novamente.
O homem empalidece,
se remexe na cadeira; tenta intimidar a guerreira: - Sua vadia, como se
atreve..., sabe quem sou eu?
Xena pega o punhal
sobre a mesa e o crava firmemente no pergaminho que o homem escrevia e finaliza
a ameaça. - Já foi avisado! - Ela vira-se, dá uma última olhada em
Philemon, que treme segurando a jarra de água junto à mesa, e sai.
Passado os minutos
de choque, o homem furioso atira tudo que está sobre a mesa no chão. Seu rosto
está vermelho de raiva; bufando. Depois de ter extravasado sua raiva, ofegante
ele diz a Philemon: - Meu sangue está fervendo de ódio. Ninguém me ameaça e sai
ileso. Quero essa prostituta morta antes do dia acabar. Agora mais do que nunca
quero aquela moça, nem que isso custe parte da minha fortuna.
Philemon estava trêmulo,
apavorado tanto com a mulher quanto com o acesso de fúria de seu senhor. Com
dificuldade conseguiu murmurar algumas lúcidas palavras: - Senhor..., não
estamos na pequena Potedaia, aqui existem leis.
- Leis de ferro que
se dobram ao poder do ouro. - Responde o comerciante, soltando uma estridente
gargalhada.
................... Peso na consciência.
Já ia alta à noite
e o silêncio que reinava no sobrado que ficava na parte mais luxuosa da cidade
de Corinto, é quebrado com o alvoroço da chegada dos criados carregando alguém
desmaiado enrolado em uma grande manta.
- Levem para meus
aposentos. - Ordena o comerciante e em seguida berra pelo criado:
- PHILEMON!
Após alguns minutos
o criado entra no aposento se curvando em obediência. - Sim meu senhor!
- Então já
descobriste onde a prostituta está hospedada? - Pergunta o homem.
- Sim meu senhor,
ela está na hospedaria das Dríades do outro lado da cidade. - Responde o
criado.
O comerciante
sentia-se inquieto, ao pensar naquela mulher que o desafiara. Via a necessidade
da morte dela e pensou. - Veremos se você consegue
sobreviver ao veneno.
O veneno tinha um
efeito inevitável, produzia dores, convulsões e sufocamento após alguns minutos
de ingerido e se misturado ao vinho era imperceptível pela vítima.
- Toma Philemon, dá
esta moeda de ouro ao homem da taberna e mande-o colocar esse líquido numa
garrafa de vinho e servi-lo a vagabunda como cortesia da hospedaria para os
estrangeiros. - Diz o homem entregando um pequeno frasco ao criado.
Philemon já nem se
lembrava a quanto tempo era escravo, nem quantos castigos sofrera, mas com o
passar dos anos cada dia se indignava mais com a falta de escrúpulos do
comerciante, a vida humana não significava nada para o maldito; o que importava
era que o homem realizasse seus desejos asquerosos e aumentasse sua fortuna,
não importando os meios que usaria para consegui-lo.
O comerciante era
um homem poderoso que vivia rodeado da classe mais seleta de Corinto. Ninguém
se atrevia a contrariá-lo. Agora surgia do nada aquela mulher que enfrentou e
ameaçou o velhaco. Fazendo surgir uma centelha de esperança que alguém desse
fim ao reinado de maldades daquele homem.
Como ordenado
Philemon foi à hospedaria. Viu Xena sentada em uma mesa no final da taberna.
Subornou o homem da taberna que se encarregou de envenenar o vinho. Orientou
que o homem oferecesse o vinho como cortesia aos estrangeiros e de longe com o
rosto coberto pelo capuz do quitão observava a cena. Uma sensação de desprezo
por si mesmo invadiu seu coração.
Xena olha o taberneiro desconfiada,
agradece e aceita o vinho. Examina a garrafa, destampa, cheira, serve um pouco
na caneca, cheira novamente, olha desconfiada para o conteúdo da caneca. Depois
de vários minutos resolve completar a caneca. Quando aproximava o vinho dos
lábios, leva um violento tapa na mão, derramando o vinho sobre a mesa.
- Não beba, está
envenenado! - Diz Philemon descobrindo a cabeça.
Simultaneamente
Xena se levanta prestes a sacar a espada quando reconhece o criado. O segura
pelo traje sacudindo-o com força.
- Você quis me
envenenar seu miserável? - A mulher esbraveja com os olhos cintilando de raiva.
Philemon cai em prantos, arrependido.
Xena o observa
desconfiada. - Foi seu senhor que mandou não foi? - Diz e dá uma violenta
sacudida no homem franzino. A voz do criado está embargada. Xena o empurra para
a cadeira e senta-se ao lado do homem que chora de cabeça baixa escondendo o
rosto entre as mãos.
- Se não quiser
morrer aqui mesmo, é melhor me contar tudo! - Ameaça a guerreira.
Entre soluços Philemon
conta os planos do comerciante de novamente raptar a Brada; que dessa vez ele
tinha tomado precauções para não falhar; que a essa hora ela já estaria em
poder dele e que Xena deveria salvá-la do destino terrível que seu senhor tinha
para a jovem.
Xena retesa os
músculos, os punhos se fecham, a fúria vai crescendo nas suas entranhas ao
ouvir cada detalhe. - E porque você está me contando tudo? Seu senhor vai
matá-lo! - A mulher pergunta tentando controlar o ódio.
Apesar de ter sido
castigado, no fundo ele se alegrou pela primeira tentativa de rapto da Barda
não ter se concluído. O doce encanto de Gabrielle o deixou fascinado.
Lembrou-se de sua pequena Diana, que agora deveria estar com a mesma idade que
a Barda. - Por onde estariam? - Pensa. A mulher e
a filha tinham sido vendidas no mercado de escravos e nunca mais soube notícias
delas. Ele chorou, suplicou, se ajoelhou pedindo que não tirassem sua família,
mas o comerciante enxergava apenas o lucro que teria com a venda das duas. E
assim foi feito. Philemon viu sua vida e alma serem arrancadas e as viu
entrarem no navio que partiu com destino à Índia; ele se tornou um molambo
humano e com o passar do tempo foi se acovardando com a vida.
- Estou cansado de
viver. Há muito tempo minha vida foi destruída por aquele monstro, perdi minha
família e não quero acrescentar mais mortes aos meus ombros. - Diz Philemon já
tendo controlado o choro e continua: - Tenho em minha consciência o peso das
mortes de inocentes, de virgens violentadas e vários outros tipos de crimes
cometidos pelo meu senhor, em que tive participação. Estou farto disso.
Xena o ouve, a
fisionomia de angústia e desespero do homem, não deixava dúvidas que ele estava
sendo sincero.
- Me espere aqui,
não se atreva a fugir ou vou mandá-lo para Tártaro! - Ordena a guerreira.
Xena corre no
quarto, pega o quitão e retorna a tempo de ver várias pessoas em volta da mesa.
Abre caminho e encontra Philemon caído no chão curvado, segurando o abdômen em
convulsões violentas, uma baba espumosa branca escorria de sua boca. Xena o
segura em seus braços somente a tempo de ouvir suas últimas palavras.
- Sa...salve a
Bar...da. - Ele respirou fundo uma última vez, o corpo retesou, sua boca
espumosa permaneceu aberta, a cabeça pendeu para trás e seus olhos não se abriram
mais.
- O que aconteceu?
- Perguntou um homem.
- Não sabemos ele
tomou um copo de vinho e depois começou a engasgar, caiu no chão, ficou se
debatendo e começou a babar. - Responde uma mulher. - É alguma doença?
- Foi castigo dos
deuses! - Disse outra mulher.
Xena coloca o homem
no chão e responde: - Não, não é doença nem castigo, foi veneno.
Philemon não queria
acrescentar mais uma morte as suas lembranças e sim apagar todas elas dando fim
a sua miserável vida.
Xena corre
disparada para o estábulo, arruma os apetrechos no cavalo e monta de um salto.
Argo dispara pelas ruas da cidade com a velocidade de um raio com destino a
casa do comerciante do lado oposto da cidade.
........... O sonho.
Gabrielle entra na
sala de onde saía um vapor leve e claro. A jovem sentia um agradável perfume.
No mesmo instante sentiu um leve tremor no corpo. Aos poucos, a luz clara foi
se tornando cada vez mais suave. Então naquele espaço onde havia apenas a luz,
surgiam sucessivas paisagens de vales e montanhas. Em um local distante ela viu
Xena sentada em uma pedra, ela aproxima-se com uma expressão de inteira
felicidade. Xena percebe sua aproximação e mostra seu belo sorriso. Gabrielle
corre para os braços da guerreira que a acolhe com carinho num apertado abraço.
- Enquanto não te
conhecia, não sentia tua ausência, eu não sabia como era forte a união de
almas. Eu pensava que era tudo imaginação. Mas agora, eu não suportaria que me
dissesse para ser feliz com outro. - Diz a loira.
- Nem eu iria te
dizer isso. - Respondeu Xena.
- Mas às vezes eu
vejo você triste. - Diz a Barda.
Xena suspirou e
emudeceu, parecendo pensativa. - Você não deseja saber algo mais sobre mim?
- Devemos deixar os
amigos terem segredos, você não tem porque me contar tudo o que faz, eu
respeito isso. - Responde Gabrielle.
- Você não tem medo
do futuro? - Pergunta a guerreira.
- O futuro? Não
penso nele. - E sorrindo a Barda completa: - Para mim o presente e o futuro são
o teu sorriso.
Xena sorri, levanta
o rosto de Gabrielle e beija seus lábios de uma forma apaixonada; um beijo
intenso como nunca sentira igual.
Gabrielle acorda de
um pulo, sobressaltada, está suada, respiração ofegante. Sua cabeça dói. É
então que ela se dá conta de estar num quarto desconhecido. Sozinha, naquele
recinto, ela vai se lembrando do ataque que sofrera.
Estava acompanhada
de Perdicas e sua mãe, ao final da apresentação quando abriu a porta do teatro,
viu os dois serem empurrados com brutalidade por quatro homens de cabeças
cobertas pelo capuz do quitão marrom que usavam. Sentiu a mão enorme
pressionando seu nariz e boca; ela se debatia, mas o ar começava a faltar. De
repente uma espécie de névoa densa se movia ante seus olhos. Esforçava-se para
ver alguma coisa através daquela névoa e sem forças desmaiou; por segundos
quando abriu os olhos novamente viu-se amarrada e amordaçada; uma nova nuvem
escura e novamente em segundos as imagens vão ficando distorcidas, os homens se
tornando apenas silhuetas, a vista está embaçada, os homens se distanciando, o
ambiente ao seu redor ficando escuro.
Teve pouco tempo
para se recuperar. Abriu-se a porta e apareceu o comerciante, luxuosamente
vestido. Ela ouviu os passos que se aproximavam da grande cama onde estava.
- Doce criatura. -
Disse o homem com um sorriso.
Quis pegar uma das
mãos de Gabrielle, mas vendo que ela se afastava continuou: - Saiba que não tem
para onde fugir jovem. Está à disposição de um homem que nunca foi derrotado em
suas tentativas amorosas. Seu amigo não lhe salvará desta vez. Você é minha!
Ele tenta se
aproximar, mas Gabrielle pula da cama ainda tonta, mas está disposta a lutar
até a morte do que ser violentada por aquele homem asqueroso.
- Olha, o senhor
está se arriscando, eu não tenho medo do senhor. - O desconforto da tonteira é
terrível. - O senhor atraiu um grande perigo sobre sua casa.
O orgulhoso
comerciante pareceu admirado daquela ousadia, que o surpreendeu. Mas não era
homem de se intimidar facilmente ou desistir dos seus planos. A tonteira
tornava Gabrielle uma presa fácil de ser dominada. Aproximou-se da loira sem
grandes dificuldades e agarrou-a. A loira se debatia, esmurrava o homem sem
resultado; desesperada gritou.
Gabrielle se sentia
humilhada, seu pequeno corpo estava dolorido, as marcas de arranhões
sobressaíam na pele clara. Rogava aos deuses com toda força de seu coração que
sua vida fosse tirada naquele instante. Notou que o cômodo não tinha outra
saída, além da porta. Entre soluços não deixou de pensar em Xena.
- Grite minha
ovelhinha, pode gritar à vontade, ninguém virá te socorrer! Você vai ser minha!
- Diz o homem enquanto tentava rasgar as roupas da loira. - Verá que não será
uma noite desagradável.
O pânico tomou
conta de Gabrielle. O comerciante era grande e corpulento e ela já se sentia
sem forças, estava exausta ao extremo. O homem já tinha rasgado a blusa da
Barda, mostrando seus seios rígidos e perfeitamente delineados, os mamilos
levemente mais escuros que sua pele branca.
...........................................
O potente coice de
Argo escancara a porta do sobrado. Um criado corre para ver o que acontecia
quando é puxado pela túnica, aproximando seu rosto do dele ela pergunta: - Onde
está a moça? - A voz da guerreira sai entre os dentes cerrados. O criado não
consegue falar, se limita a apontar para um cômodo escadaria acima. Xena o
empurra com violência desimpedindo o caminho.
O criado grita: -
SOCORRO! ACUDAM! - No mesmo instante a sala é invadida por seis escravos
armados de paus, sendo dois deles de porte bem fortes.
- Saiam do caminho
e ninguém vai se ferir! - Xena ameaça se dirigindo com a espada em punho para o
local que o criado indicara.
Os dois escravos
mais fortes se postam no início da escadaria para impedi-la de subir, enquanto
os outros a cercam. Ela se vira com os olhos selvagens e os encara; é quando
ouve os gritos de Gabrielle. O ódio explode nas entranhas da guerreira e ela
avança. Os dois homens mais fortes partem para Xena, acreditando que sua força
seria suficiente para impedi-la; ela apara o primeiro golpe de um e quase
simultaneamente abaixa-se desviando do potente golpe do outro. Xena dá uma
violenta pancada com o punho da espada no queixo do primeiro deles fazendo-o
cambalear com o sangue escorrendo pela boca. Com um giro de corpo e espada,
Xena faz um corte profundo no braço do segundo homem em seguida chutando seu
peito, ele é jogado a distância.
Os outros que a
cercavam olham surpresos, paralisados com a reação da mulher. A guerreira toma
impulso e com um salto e uma cambalhota em pleno ar, cai de pé junto a porta do
aposento e chuta a porta.
Gabrielle se
debatia e chorava desesperada, quando ouviu a violenta pancada na porta do
quarto. A pancada se repetiu mais forte e a porta cedeu com a fechadura
retorcida. O homem vira-se assustado e se depara com Xena pressionando a espada
em sua garganta. O homem empalideceu, seus lábios tremiam de medo.
Xena vê Gabrielle
em prantos encolhida sobre a cama.
- Gabrielle! - A
voz aflita da guerreira é imediatamente reconhecida pela Barda que levanta o
pequeno rosto lavado de lágrimas.
- Gabrielle ele...,
ele... - As palavras saiam aflitas com receio da resposta. Por fim Xena
perguntou: - Ele violentou você?
A loira responde
entre soluços: - Não..., não chegou a..., mas se você não chegasse agora eu não
teria mais força para me defender. - Xena ouve a resposta com certo
alívio.
Xena pressiona
ainda mais forte a espada. O homem mal respira, o pânico é visível em seu
rosto. A voz da guerreira se torna ameaçadora: - MISERÁVEL!
A fisionomia da
guerreira era uma máscara de ódio, os dentes cerrados e os músculos retesados.
Seu corpo tremia de ódio. Nesse instante Xena vê as roupas de Gabrielle
rasgadas, seus seios expostos e os arranhões na pela branca da loira.
A besta negra
emerge das entranhas da guerreira. Ela levanta o homem pela túnica e o
arremessa contra parede como se fosse uma fruta podre; soca o rosto dele sem
piedade enquanto diz: - E agora, onde está sua valentia? Por que não enfrenta
alguém que é capaz de se defender seu verme?!
O homem tentava em
vão se defender dos violentos golpes da guerreira. O rosto dele já se
transformava numa massa disforme visivelmente inchado pelos hematomas, o sangue
escorrendo pela boca, nariz e por um corte profundo na sobrancelha esquerda, o
olho esquerdo já não está mais visível. Xena o jogava por cima dos móveis como
se sua força tivesse se multiplicado.
Ouvem-se gritos de
fúria, objetos caindo, quebrando e repentinamente o silêncio.
...........................................
Apesar da raiva, do
desprezo, do nojo que sentia por aquele miserável, Gabrielle assistia a tudo
chocada com a brutalidade da cena. Xena estava irreconhecível.
- XENA PARE! - Ela
grita e corre para a guerreira, segurando seu braço e repete: - POR FAVOR, PARE,
CHEGA! VOCÊ VAI MATÁ-LO!
- E VOCÊ ACHA QUE
ELE NÃO MERECE MORRER PELO QUE FEZ A VOCÊ? - Xena responde descontrolada.
- Por favor, pare!
- A loira pede.
Ainda com os olhos
chispando fúria, ela larga o homem que quase desmaiado cai pesadamente no chão.
Xena olha Gabrielle sem entender como ela pode se compadecer de um homem como
aquele.
- Gabrielle, você
está me pedindo para poupar a vida desse miserável? Ele tentou violentar você.
Ele ia desgraçar sua vida! - Disse a guerreira ainda tentando se controlar.
- Você já o
castigou bastante, ele está quase morto. Chega..., por favor. - A voz
suplicante de Gabrielle trás Xena de volta a razão. Num rompante a guerreira
abraça Gabrielle com força, aconchegando a loira em seu corpo ainda trêmulo de
raiva. A proximidade do corpo de Gabrielle faz seu coração acelerar, mas agora
é um sentimento de carinho e proteção. Sente que a loira retribui o abraço da
mesma maneira. Aquele sentimento de vazio preenchido quando está perto de
Gabrielle é uma sensação maravilhosa. Tantas vezes estivera por desistir de
tudo, mas agora sua vida passara a ter sentido. Como poderia agora viver longe
da pequena que se aconchegava em seus braços?
- Me leve com você.
Enquanto não te conhecia, não sentia sua ausência, eu não sabia como era forte
a união de almas. Eu pensava que era tudo imaginação. - Diz a loira que se
surpreendeu repetindo a frase do seu sonho e completa: - Quando estou com você este vazio que eu sinto se
acaba.
- Mas e sua
família? - Xena pergunta.
- Não sou a garotinha que meus pais querem que eu seja. - Diz a loira,
olhando firmemente nos olhos azuis que a encaram.
Xena sorri e
acaricia o rosto de Gabrielle. - Agora vamos sair daqui! - Diz a guerreira.
...........................................
Após alguns minutos
Xena sai do aposento puxando o comerciante pela túnica. O rosto do homem é
uma massa de sangue; ao mesmo tempo em que protege Gabrielle com seu próprio
corpo. Ela vai descendo a escadaria pressionando a espada na garganta do homem
e ameaça: - SE ALGUM DE VOCÊS SE MEXER, EU ARRANCO A CABEÇA DELE!
Os criados estão
imóveis, apenas acompanham as duas mulheres com o olhar. Elas seguem até a
porta. Xena joga o homem quase morto no chão, acomoda Gabrielle na garupa de
Argo, monta e disparam pelas ruas de Corinto.
O sonho profético
se concretizava.
........... Retornando para casa.
Enquanto cavalgavam
retornando para Potedaia, Xena segue calada, mergulhada nos seus pensamentos. A
loira estranha o silêncio da guerreira.
- Você está tão
quieta. - Diz a Barda.
Mais alguns
segundos de silêncio e Xena responde: - Estava pensando no que você falou sobre
trazer você comigo. Pense bem Gabrielle, você não sabe nada sobre mim.
Não tem medo de como pode ser o seu futuro se me acompanhar? Você já viu do que
sou capaz quando fico furiosa, você conseguiria viver com isso?
- O futuro? Não
penso nele. - E sorrindo a Barda completa: - Para mim o presente e o futuro é
estar com você.
Naquele momento a
alegria faz o coração da guerreira bater mais forte, embora as dúvidas ainda a
atormentassem.
O quitão da
guerreira cobria o corpo da Barda, evitando que seus seios e a roupa rasgada
ficassem expostos. Chegam a casa da loira.
- MÃE! - Gabrielle
grita. Hécuba e Lila reconhecem a voz da Barda e saem da casa correndo para
abraçá-la.
- Minha filha, ó
pelos deuses você está bem? - Pergunta a mãe desesperada em prantos.
- Ela está bem sim,
bastante abalada, mas está bem! Cheguei a tempo de evitar..., uma violência
maior. Leve-a para descansar. - Diz a guerreira.
- Xena! - A voz de
Herodotus soa grave.
A guerreira olha
para o homem que se aproxima com a cara emburrada de sempre. Quando estão
próximos eles se encaram por alguns segundos, até que ele lhe estende o braço;
que é aceito pela guerreira.
- Obrigado! -
Pela primeira vez demonstrando um sinal de emoção no semblante rude. Sem mais
nenhuma palavra ele entra na casa seguindo as mulheres e fecha a porta.
Xena acaricia o
focinho de Argo: - Vamos embora amigo, não nos querem por aqui! - Monta e puxa
as rédeas, quando o cavalo vira-se para seguir a estrada, a porta se abre
novamente.
- XENA! - É a voz
de Lila; ela corre para junto da guerreira. - Você volta amanhã?
- Acho que não é
mais necessário. Sua irmã está a salvo, agora ela só precisa de descanso. -
Responde a guerreira.
- Tenho certeza que
Gabrielle vai gostar de te ver. - Diz Lila com um sorriso matreiro.
Xena sorri da
cumplicidade de Lila. Sem responder, ela instiga Argo a seguir pela estrada
rumo à cidade.
...........................................
O dia amanhece com
o cheiro de mingau e pão quentinho vindo da cozinha. Gabrielle acorda e se
surpreende ao ver Lila sentada na cama observando-a. A loira se espreguiça e
diz: - Bom dia..., o que foi?
Lila continua
observando a irmã, até que responde: - Bom dia dorminhoca. Como você está?
Gabrielle olha o
teto como se estivesse avaliando seu estado físico: - É..., considerando o que
passei, acho que estou bem. - Responde com o rosto ainda enevoado de sono e dá
um leve sorriso. Nova espreguiçada e senta-se na cama. Nesse instante Lila
aproxima-se abraçando-a com força numa ternura poucas vezes mostrada. Lila
tinha o temperamento parecido com o de Herodotus, sentia, mas não demonstrava.
Apesar de surpresa
Gabrielle responde ao carinho e fica mais surpresa ainda ao ver lágrimas
escorrendo pelo rosto da irmã.
- Ah Gabrielle nós
ficamos apavorados com seu rapto, estávamos desesperados sem saber como te
encontrar. Mamãe não parava de chorar; papai se mal dizia a cada instante, ele
e Perdicas te procuraram por toda cidade, eles estavam arrasados. Nem
imaginávamos que tinham levado você para Corinto. - E continua: - Graças aos
deuses que tudo acabou bem.
- Graças aos deuses
e a Xena. - Completa a loira. - Ela me salvou mais uma vez.
Gabrielle encara a
irmã: - Lila... - Ela sente necessidade de confessar um sentimento novo e
estranho que queima em seu interior, mas as palavras ficam engasgadas, com
receio de serem ditas. Elas se olham demoradamente. Lila percebe que a irmã tem
alguma coisa importante para falar: - Vai Gabrielle pode confiar em mim...,
fala.
A loira engole em
seco, como procurando palavras para começar, gagueja, se sente embaraçada, mas
finalmente fala: - Lila..., eu..., eu não sei o que há comigo, mas eu sinto que
não posso me casar com Perdicas, pois meu coração pertence a outra pessoa. E
apesar de não poder estar com ela agora não posso ficar com mais ninguém. -
Sente o rosto queimar envergonhada, baixa os olhos, mas continua: - Decidi ir
embora com Xena.
Sem demonstrar
surpresa Lila pergunta: - Você tem certeza? E nossos pais? E Perdicas?
- Nós temos família
em que nascemos, mas às vezes as famílias mudam e temos que construir as
nossas. Xena e eu temos uma ligação. É mais forte do que se pode imaginar. É
como se fossemos almas gêmeas. - Gabrielle responde e continua: - Perdicas? Eu
estive confusa em relação a ele, mas agora vejo que gosto dele apenas como
amigo, eu não o amo. Eu não seria feliz nem o faria feliz.
Lila fica alguns
segundos calada sem desviar o olhar da irmã. Gabrielle baixa os olhos constrangida
com o olhar fixo da irmã. Após alguns minutos Lila rompe o silêncio: - Não é
preciso ser filósofa para ver que você pertence ao mundo lá fora com Xena.
- Você sabia o
tempo inteiro, não é? - Pergunta a loira erguendo os olhos emocionada.
- Sim, você é minha
irmã e eu te amo mais que tudo. Se é o que você quer..., te desejo toda
felicidade do mundo. - Lila responde com a voz embargada. Ela e Gabrielle se
abraçam emocionadas.
Enxugando as
lágrimas Lila diz: - Papai não vai aceitar isso.
- Eu sei, por
favor, não conte nada a mamãe. Um dia eu voltarei para visitar vocês, eu
prometo. - Responde a loira.
...........................................
Uma semana se
passou desde o incidente e Herodotus decide o destino de Gabrielle.
As lágrimas da
loira sensibilizavam o coração de Hécuba, que pedia que o marido reconsiderasse
a decisão.
- Um casamento sem
amor não era uma boa maneira de começar uma família. - Insistia a mulher, mas Herodotus estava
irredutível. Gabrielle já estava na idade de casar; Perdicas a faria feliz e
isso bastava.
- Se ela tivesse a
proteção de um marido nada disso teria acontecido..., ela aprenderá a gostar
dele com o tempo! - E assim o lavrador encerrava o assunto.
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Por iniciativa
própria Lila foi procurar Xena. Ela se aproxima da guerreira que responde com
um leve sorriso.
- Xena, preciso
falar com você. - Diz Lila.
- Pode falar, estou
ouvindo. - Xena responde.
- É sobre
Gabrielle. - Diz Lila.
Xena tenta se
mostrar indiferente, mas o olhar denuncia o interesse da guerreira sobre o que
estava para ser falado.
- Podemos conversar
em outro lugar? Aqui é muito barulhento, quero te contar umas coisas. - Diz a
jovem.
Dirigem-se para um
local mais afastado do comércio da cidade. Numa área próxima onde existia uma
verdejante alameda, elas sentam-se numa pedra sob uma frondosa árvore e Lila
começa a contar os fatos.
Xena se surpreende
com o que escuta, mas não comenta nada, continua a ouvir com atenção; apoia os
braços nos joelhos, entrelaça os dedos, fica algum tempo em silêncio,
pensativa. Lila observa a mulher, como se quisesse ler seus pensamentos.
Finalmente Xena abre um sorriso, os olhos azuis brilham; pede que transmita a
Gabrielle que irá conversar com ela e que tenha paciência.
Lila volta para
casa eufórica para contar a novidade para a irmã. Ela corre para o quarto e
encontra Gabrielle com o olhar perdido no céu azul que espia pela janela
entreaberta. A loira se assusta pela maneira como a irmã invade o aposento.
Lila começa a falar apressadamente, quase de um só fôlego. Gabrielle ouve a
princípio sem entender, mas depois a euforia também vai tomando conta dela à
medida que a irmã vai narrando a conversa com Xena. A loira agarrada ao
travesseiro sufocava os gritinhos de alegria. Ao final da narrativa Gabrielle
abraça Lila agradecendo e choram emocionadas.
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Perdicas não cabia
em si de alegria, cercava Gabrielle de atenções, quase diariamente ia
visitá-la, sempre levando algum agrado para a futura esposa. Gabrielle se
esforçava para se mostrar interessada nas conversas do rapaz, mas seu
pensamento vagava desatento. Estranhamente a loira não mostrava o abatimento de
alguns dias atrás, seu olhar voltara a brilhar e muitas vezes ela e Lila eram
pegas sussurrando pelos cantos da casa, um olhar de cumplicidade era comum
entre elas. A relação das irmãs se solidificara de tal maneira que se tornaram
quase inseparáveis.
Hécuba pressentia
que tinha acontecido alguma coisa para que Gabrielle mudasse seu comportamento
dessa forma. Não havia mais vestígio de tristeza em seus olhos; seu sorriso era
leve, espontâneo como de uma criança. Por mais que tentasse, não conseguia que
as filhas lhe confidenciassem o que viviam cochichando. Havia um pacto
subentendido entre elas, do qual nem a própria mãe fazia parte. Mais cedo do
que imaginava Hécuba saberia do que se tratava tanto segredo.
...........................................
Passadas algumas
semanas as festividades de Solstício se iniciam. A pedido de Gabrielle, Alcíno
anuncia por toda cidade que no dia de abertura do festival, terá um espetáculo
especial. A Barda recitará uma poesia de própria autoria ao final das
apresentações. Como se esperava o teatro está lotado. Todos assistem as
apresentações dos jovens aspirantes a Bardos; a cada ano a competição se torna
mais acirrada. Os numerosos candidatos formam grandes filas para se
inscreverem. Alcíno finalmente vê um sonho se realizar, o povo passara a
apreciar a arte.
Os competidores vão
se apresentando. Alguns são aplaudidos, outros hostilizados. E assim o último
jovem se apresenta. Alcíno sobe no palco anunciando a tão esperada atração. O
público aguarda com ansiedade a apresentação da Barda que mostrará uma face
desconhecida do público até o momento, a de poetisa.
O palco é preparado
solenemente, a cortina desce. A platéia vai silenciando até não se ouvir mais
qualquer ruído de vozes. A cortina se abre, Gabrielle entra delicadamente. O
público está paralisado. É como se uma aura irradiasse do corpo da Barda. Por
segundos fica calada, observa atentamente aqueles rostos, muitos deles
conhecidos e mais ainda de desconhecidos. O silêncio impressiona. Ela encontra
os olhos azuis que a observam com ternura.
Com a voz suave ela
inicia a apresentação sem desviar os olhos da bela mulher de pé no final do
teatro: - Essa poesia se chama “Confissões do coração” e dedico a alguém de
quem acredito que a minha existência não consiga mais se separar.
Com um suspiro
profundo ela começa a recitar a poesia que escrevera algum tempo atrás numa
manhã de inspiração.
“É a luz do dia que me ilumina ou a lembrança da tua presença? Tudo que
olho parece cheio da tua imagem. Tu invadiste minha alma e dominou meu coração!
Não me queixarei que sejam duras as tuas palavras e frios os teus olhares.
Minha alma deseja se unir a tua. Tudo que se passa em meu coração é misterioso,
tão misterioso como é para mim a lua e as estrelas. Por que não luto para
romper o laço que me prende a ti? Quem te deu o direito de dispor de mim? De
minha alma? Me devolve a vida que eu tinha antes de te conhecer. Me devolve os
tranquilos sonhos da minha infância e a liberdade do meu coração, que cantava
quando estava alegre. Fizeste-me perder a ilusão de tudo que não se refira a
tua pessoa.”
“Me recrimino por pensar em ti a todo momento, de desejar te ver; teu
olhar queima minha pele. Esse sentimento que eu agora compreendo afasta de mim
a dúvida e o medo. Sinto como se a felicidade tivesse derramado um sorriso
sobre meu sonho.”
“Outro dia, outra folha caída da árvore da existência. O sonho desta
noite trouxe-me ao coração uma calma incompreensível. Me sinto tranquila a
respeito de nossas vidas. Sei que uni de modo inseparável as nossas existências
e que não poderei separar minha alma da tua, mesmo que quisesse. Isso foi um
sonho. Quando despertei, tive um misterioso sentimento de felicidade. Uma
confusa recordação de algo agradável. O mundo volta a me parecer belo. Quando
estou com você me sinto completa. Quando estou sem você, apenas desejo estar
contigo. Agora nem a mais leve dúvida obscurece minha alma. Conheci o
sentimento chamado AMOR.”
Gabrielle sorri e
vê seu sorriso ser retribuído por Xena. A platéia permanece em silêncio total,
como se paralisada por algum feitiço. Até que se ouve um leve soluçar, em
seguida alguém bate palmas e as palmas vão contagiando o ambiente até que todo
o teatro está de pé euforicamente aclamando a Barda.
........... A escolha.
- Você tem certeza
que é isso o que você quer? - Pergunta Xena. - A vida na estrada é perigosa,
não tem conforto. Você não vai ter um lar. - Insiste a guerreira.
- Xena, um
lar não precisa ser uma casa, pode ser uma pessoa. Meu lar é você. - Responde a
loira.
Xena não se
controlou mais, puxou-a contra seu corpo e abraçou apertadamente a pequena
mulher; Gabrielle retribuiu o abraço da mesma forma. A Barda estava ali, nos
seus braços. Terna, doce, carinhosa e tão apaixonada quanto ela. A guerreira se
inclina e segurando o rosto da mulher entre as mãos, beija seus macios lábios que
se entreabrem recebendo a língua ávida da guerreira. Seus lábios se comprimiram
num beijo longo, sufocante e apaixonado. A loira sentiu o corpo queimar, o
rosto enrubescer, o peito arfando.
Xena se dá conta
que tinha se precipitado, todas essas sensações eram novidade para a Barda: -
Gabrielle eu... - Foi interrompida.
- Ssshhiii, não se
preocupe..., está tudo bem. - Disse a Barda colocando os dedos sobre os lábios
da guerreira. Gabrielle sente as faces coradas. O olhar fixo de Xena a deixa
perturbada, mas não desviam os olhos uma da outra.
- O que foi? -
Pergunta a guerreira, por fim.
- Nada. - Responde
a loira com um sorriso meio sem jeito.
Xena luta para
controlar o desejo que agora ferve seu sangue. Tudo tem sua hora e seu tempo e
ela como uma mulher mais experiente saberia dar esse tempo a Gabrielle.
- Está pronta para
partir? - Pergunta a guerreira tentando acalmar seu desejo.
- Sim, quando
vamos? - Diz a loira ansiosa e ao mesmo tempo responde: - Quero partir durante
a madrugada, não quero que meus pais vejam.
Xena a olha
surpresa: - Não vai se despedir da sua família?
- Acredite..., não
seria uma boa ideia, meu pai nunca permitiria que eu seguisse com você.
- Está certo, então
esteja pronta que virei te buscar amanhã de madrugada. - Diz Xena. - A loira
abre um alegre sorriso, causando ruguinhas no nariz que deixam Xena encantada.
...........................................
A família fez a
última refeição do dia; Gabrielle estava calada, coisa pouco comum para ela;
junto com a irmã ajudou Hécuba com os afazeres domésticos. Evitava encarar o
olhar da mãe, que já percebera algo diferente com a loira. Gabrielle já tinha
confidenciado a Lila que fugiria de madrugada e a fez jurar que não contaria a
ninguém. Hécuba sentia que as duas se comportavam de modo estranho. Coração de
mãe não se engana.
- Gabrielle...,
está tudo bem filha? - Questiona Hécuba.
A pergunta pega a
loira de surpresa, que gagueja ao responder: - Está..., está sim mãe, está tudo
bem. - O olhar desconfiado da mãe a deixa desconcertada.
- É só uma
indisposição boba, vou me deitar mais cedo. - Diz a Barda apressando em se
recolher.
- Vou preparar um
chá de ervas para você. - Diz a mãe, já se dispondo a levantar da cadeira.
- Não mãe..., não
precisa, vou melhorar! Não se preocupe! - Responde a loira abraçando Hécuba com
força, beijando-lhe os cabelos e repete os gestos com Herodotus. Ambos
estranham a atitude de Gabrielle, mas não fazem nenhum comentário. Despedem-se
desejando uma boa noite para as filhas.
A agitação de
Gabrielle contagiou Lila, ambas sussurravam com receio de serem ouvidas pelos
pais que continuavam conversando sentados à mesa na cozinha. A todo momento a
Barda procurava ouvir as vozes dos pais. As horas se arrastavam, parecia que
justamente esta noite eles resolveram permanecer acordados.
Gabrielle já estava
com as roupas arrumadas numa saca, esperando ansiosa. Lila por sua vez também
estava nervosa. Por fim o silêncio se fez sentir em toda casa. A noite
prossegue. Lila começa a ficar sonolenta, mas a excitação de Gabrielle não a
deixa dormir.
- Pelos deuses onde
ela está?! - Murmura a Barda.
Nesse momento ela
ouve uma voz que a chamava e ao mesmo tempo batia na janela. Gabrielle dá um
pulo da cama e sacode a irmã. A loira abre a janela com cuidado; põe um dedo
nos lábios para recomendar silêncio.
- Meus pais estão
dormindo no quarto ao lado. Não fale alto. - Sussurra a Barda.
Antes de pular a
janela Gabrielle abraça Lila com força: - Obrigada minha irmã, nunca esquecerei
isso. - Lila beija as mãos de Gabrielle e responde com a voz embargada: - Seja
feliz minha irmã, eu te amo muito!
Ela corre e se
abraça ao vulto que tem a cabeça coberta pelo capuz do quitão. A loira recebe a
saca com roupas e acena para Lila se despedindo. Correm para fora da cerca da
casa e mais alguns metros depois encontram o cavalo escondido entre as árvores
que margeiam a estrada. De um pulo o vulto monta em seguida se inclinando
ligeiramente segura firme o braço da Barda e a puxa para garupa, ela se acomoda
agarrando-se fortemente ao corpo de Xena enquanto disparam num galope pela
estrada.
Nuvens pesadas se
acumulavam no céu. O vento frio da madrugada levantava as folhas do chão, raios
enormes se ramificavam como galhos e trovões estrondosos ecoavam pelo ar. Era
necessário procurarem abrigo antes que a tempestade caísse.
........... A primeira noite.
O vento frio e
cortante se torna mais forte, balançando os galhos das árvores sem piedade.
Uma pequena caverna conhecida por Xena que ficava próxima a estrada
serviria de abrigo. Apressando o galope em pouco tempo chegam à caverna.
Desmontam e Xena entra puxando Argo pelas rédeas. Gabrielle a segue; a pele da
Barda está fria e arrepiada.
- Vamos ficar aqui
até o temporal passar. - Diz Xena. - O vento uiva do lado de fora.
Xena abre a bolsa
grande amarrada à sela, tira o cobertor e agasalha Gabrielle. - Fique
aqui, vou buscar galhos para a fogueira. - Diz a guerreira.
Um trovão ressoa;
Argo relincha inquieto. A caverna escura só é iluminada pelos rápidos clarões
dos raios que riscam o céu. A guerreira retorna antes da chuva começar a cair;
acende uma pequena fogueira, o suficiente para iluminar pequena parte da
caverna. Xena retira os apetrechos de montaria de Argo. Acariciando a cara
e pescoço do animal diz: - Pronto companheiro está tudo bem..., calma!
Gabrielle sentada
numa pedra a observa. O olhar apaixonado se derrama sobre a guerreira que
quando percebe, dá um sorriso. - O que foi? - Xena pergunta.
- Nada..., estava
só olhando, como você é linda. - Responde a Barda.
A luz da fogueira
não deixa Gabrielle ver as faces coradas de Xena que sorri desajeitada.
- Posso te
perguntar uma coisa? - Diz a Barda, e antes que Xena respondesse ela concluiu.
- O que aconteceu que você mudou de ideia de me trazer com você?
A guerreira que
alimentava a fogueira com alguns gravetos responde: - Alguns dias atrás Lila me
contou que seu pai ia te obrigar a casar com Perdicas, e que você estava se
sentindo infeliz por casar com alguém que não amava. Então já que você estava
disposta a me acompanhar...
Xena estende a
grossa manta próxima à fogueira e diz desconversando: - Que tal para o seu
primeiro dia de aventura? - A Barda se limita a um pequeno sorriso.
Gabrielle fica
alguns instantes em silêncio com o olhar perdido nas chamas. Xena percebe,
senta-se ao lado dela, acaricia os cabelos da Barda e pergunta: - Você está
bem?
Após um profundo
suspiro a loira diz: - Minha mãe sempre quis que eu me casasse e tivesse
filhos. Eu disse a ela que eu sempre seria grata pelo modo que me criou, mas
não poderia esperar que eu pagasse isso com o meu futuro.
- Você..., - Xena
titubeia. - está arrependida?
A Barda abre um
sorriso: - Não, de modo algum, eu quero seguir com você para onde você for. O
mundo é muito grande, ficar num só lugar é desperdício de espaço.
Xena sorri
com certo alívio. - Tivemos um dia cansativo, vamos dormir. - Diz a guerreira
se acomodando e se cobrindo, mas percebe que Gabrielle continua sentada.
- Você não vai
dormir? - Xena pergunta.
Gabrielle deita
próximo a Xena, mas mesmo forrando o chão com o quitão da guerreira, as
pedrinhas a incomodam. Ela se remexe, tentando se acomodar. - Onde está sua
manta? - Xena pergunta.
- Eu não tenho
manta nem cobertor, na pressa esqueci de pegar. - Reponde a Barda.
Após alguns
segundos de silêncio Xena diz: - Vem..., deita aqui comigo, dá para nós duas. -
Xena acomoda Gabrielle junto ao seu corpo. A barda deita a cabeça no ombro da
guerreira, aconchegando seu pequeno corpo, enquanto tem seus cabelos
acariciados. A simples proximidade daquele corpo quente, a maciez dos cabelos e
da pele faz o sangue correr rápido nas veias da guerreira.
- Xena... -
Gabrielle murmura.
Xena tenta de todas
as formas se controlar, mas sente o desejo crescendo dentro dela. - Huumm? - Responde.
- Seu coração está
batendo forte. - Comenta Gabrielle. - O meu também está assim.
Xena levanta
ligeiramente o queixo de Gabrielle e curva-se beijando delicadamente os lábios
da Barda. Um beijo suave e carinhoso.
Gabrielle enlaçou o
pescoço de Xena num abraço amoroso. A guerreira apertou a jovem mais fortemente
em seus braços, o beijo se aprofundou mais, suas línguas se tocavam examinando
prazerosamente cada parte das bocas. Suas respirações já se alteravam, seus
corações batiam fortemente.
Os beijos da
guerreira foram descendo pelo pescoço e ombros de Gabrielle, a língua de Xena
passeava pelo pescoço e orelhas provocando ondas de prazerosos arrepios na pele
branca e macia da loira. Xena foi despindo a jovem Barda, tentando controlar-se
para não deixar seu desejo apressar esse momento de encanto.
A guerreira mordia
delicadamente os ombros da sua companheira; a língua descia vagarosamente para
os seios. As mãos deslizando suavemente pelo corpo da parceira examinando
detalhadamente cada curva, textura da pele dos seios, ventre e coxas. Os beijos
ficando cada vez mais ardentes.
- Gabrielle, eu
quero você... - Sussurrou Xena no ouvido da loira. - Não conseguia mais segurar
a onda de desejo que tomava conta de seu corpo e sentia que estava sendo
correspondida. Xena sentia seu sexo molhado; a guerreira verificou que
Gabrielle também se entregara a esse êxtase, sentia o sexo quente da loira
molhando seus dedos.
Gabrielle sentia
ondas de arrepio. Os bicos dos seios endureciam ao contato das mãos da
guerreira. Xena controlava seu impulso de arrancar a roupa da loira. Ainda não
era hora, queria a mulher mais excitada, mais entregue, mais desejosa de suas
carícias. A proximidade da nudez total da loira excitava Xena. Gabrielle já bem
excitada sentia um ardor surpreendente em seu sexo. A Barda sentiu quando
as mãos antes delicadas agora agarravam rudemente sua saia puxando-a para
baixo, mostrando seus pelos já molhados de desejo. Xena se sentiu gratificada
por ver que a loira também estava tão excitada quanto ela. Beijava Gabrielle
com ardor, seu corpo forte transpirava desejo, sentia seu sexo quente pulsando,
cada vez mais molhada, não tinha mais nenhum pensamento a não ser possuir
aquela linda criatura que agora estava em seus braços.
A guerreira tirou
as roupas apressadamente, deixando claro que já estava bem excitada. Xena
deitou-se sobre a Barda, pressionando seu corpo forte, contra aquela pele macia
e quente. Continuava acariciando, examinando delicadamente o corpo sob o seu,
passava a língua vagarosamente pelos bicos dos seios que já estavam duros,
sugando-os prazerosamente. A cada carícia, Gabrielle gemia baixinho,
suspirando. Xena foi descendo as carícias pelo ventre, sentindo a pele
arrepiada de sua parceira na ponta da língua. Avidamente já procurava aquele
lugar quente, úmido, escondido, onde estava brotando o néctar dos deuses.
Afastando as pernas
de Gabrielle, Xena deita-se entre elas sem deixar de acariciar seu próprio sexo.
- Huuumm...,
Xena..., gostoso... - Gabrielle gemia. - Esses pequenos sussurros enlouqueciam
ainda mais a guerreira. Sua boca e língua em contato com aquela carne quente,
macia, pulsante provocava ondas em seu interior. Via o quadril da loira se
mover; se agarrando aos seus cabelos o corpo da pequena se arqueava, estava
totalmente entregue a ela. Não teve mais dúvida, introduziu alguns dedos na
gruta sedosa de sua amada ao mesmo tempo que sugava aquele néctar que brotava
de suas entranhas.
A leve sensação de
ardência e desconforto logo que Xena rompeu sua virgindade persistiu por mais
algum tempo, mas o prazer era maior, ela estava entregando seu corpo e alma a
sua amada princesa.
- OOHHHHH... -
gritava Gabrielle, pressionando a cabeça de Xena contra suas carnes molhadas,
seu quadril se mexia freneticamente, sem controle.
- Mais fundo...,
não para..., Ahhhh... - Gemia Gabrielle. - Os dedos da guerreira se moviam no
mesmo ritmo do prazer da loira. A guerreira também gemia de prazer de ver o
orgasmo de sua amada. Rapidamente se levantou sem retirar os dedos daquela
gruta de prazer e deitou-se sobre a loira, esfregando seu sexo contra os pelos
encharcados da Barda, aquele contato firme contra seu clitóris inchado de
prazer fez com que o clímax chegasse para as duas igualmente. Os corpos se
uniram numa sensação inigualável, num abraço forte e num beijo violento e
profundo. Mergulhando as duas num estado de êxtase total, o tempo estancou; um
cansaço reconfortante e incomparavelmente maravilhoso caiu sobre ambas. Xena
deitando-se de lado deu um profundo suspiro, beijou a franja molhada de suor de
Gabrielle e aninhou a pequena mulher, a sua mulher, em seu peito.
Xena com olhos
fechados acariciando os sedosos cabelos de sua Gabrielle sorriu feliz. - Agora
vamos dormir, temos que acordar bem cedo amanhã. - Beijou carinhosamente a
Barda.
- Xena... - Murmura
a Barda após um suspiro.
- Huumm. - A
guerreira responde.
- Eu te amo.
Xena abraçou mais
apertado a mulher, aconchegando-a ainda mais ao seu corpo. – Você é minha vida
Gabrielle, eu também te amo. - Adormeceram abraçadas, o sono tranquilo das
amantes.
...........................................
Quando os primeiros
raios da manhã apareciam entre as árvores e a névoa orvalhada ainda cobria as
folhas, Xena e Gabrielle já despertavam.
- Dormiu bem? -
Xena pergunta.
- Maravilhosamente
bem. - Responde a loira se espreguiçando dengosamente nos braços da guerreira.
- E você?
- Como se estivesse
nos Campos Elíseos. - Xena responde sorrindo.
Gabrielle se
debruça sobre Xena e fica admirando o rosto da mulher. Acaricia a face da
guerreira ternamente. Xena sente o suave toque de sua amada.
Xena não sabia como
podia existir uma criatura tão doce e maravilhosa quanto aquela. Enquanto
olhava aqueles olhos verdes esmeralda pensava em como era abençoada pelos
deuses por essa jovem ter entrado na sua vida. Ela se tornara a sua razão de
viver. Beijou delicadamente os lábios da sua Barda. Um beijo suave e carinhoso.
Gabrielle observava
Xena se vestir. Logo que terminassem o desjejum prosseguiriam viagem; se
puseram a arrumar seus pertences. A loira pega a espada da guerreira, se
surpreendendo como Xena manejava com tanta destreza e rapidez uma arma pesada
como aquela. Ensaia uns golpes desajeitados, mas o peso da espada dificulta
seus movimentos. A espada fica presa no tronco que a loira desafiava como um
oponente. Xena se aproxima, toma a espada e repreende Gabrielle.
- Isso não é
brinquedo. - Diz enquanto guarda a espada na bainha às suas costas.
Gabrielle
desconcertada diz: - Você tem que me ensinar a manejar a espada, assim eu vou
poder te ajudar a se defender.
Xena se atenta para
a inocência de Gabrielle. - Não confunda defender-se com o uso de uma arma.
Quando você puxa uma espada, você tem que estar pronta para matar. - Diz a
guerreira.
Gabrielle se
surpreende com a rispidez de Xena. - Vem, vamos à cidade mais próxima comprar
manta e cobertor para você. - Diz a guerreira desconversando.
Com um sorriso
malicioso a loira diz: - Você não gostou de ontem à noite?
Xena responde ao
sorriso com outro mais malicioso mordiscando o lábio: - Foi a melhor noite que
tive em minha vida, podemos repetir hoje também. - Os olhares se encontram com
um brilho de desejo começando a surgir. – Mas antes temos que providenciar
coisas para você. - Diz a guerreira.
Gabrielle se
acomoda na garupa de Argo e partem. - Vamos para onde? - Pergunta a loira.
- Corinto. - Xena
responde.
........... Entre o medo e a confiança.
Durante a viagem as
lembranças atormentavam Gabrielle. Por fim não se contendo mais ela questiona
Xena.
- Por que
temos que ir para Corinto? Não podíamos ir para outra cidade?
Xena percebe medo
na voz da Barda: - Primeiro por que é cidade mais próxima, depois por que
precisamos de mantimentos e cobertores e Argo está precisando de ferraduras
novas. - Ela responde.
A desagradável
experiência por que passara algum tempo atrás ainda queimava em sua memória; a
loira insiste: - Mas... e se... - Xena interrompe a frase. - Não se preocupe,
ficaremos apenas um dia.
Cavalgando
vagarosamente, entram na cidade. Gabrielle observava as pessoas, habitações, lojas
de ferreiros, mercados. Agora estava tendo oportunidade de apreciar o lugar. A
cidade exalava prosperidade e riqueza, em cada recanto podia se notar a
suntuosidade da arquitetura. Na praça central da cidade havia um local de
banhos. Não uma banheira pequena, mas um prédio muito grande com colunas
sustentando a arcada da entrada principal, com dizeres em relevo no frontão
triangular, algumas colunas realçam a grande entrada. Um grande buraco numa
pedra, cheio de água quente que vinha das fontes subterrâneas, distribuía água
para as várias piscinas que existiam no local.
Gabrielle viu
maravilhada o prédio extraordinário e se animou: - Xena seria ótimo um banho
quente. Estamos empoeiradas da estrada e depois iríamos fazer compras. O que
você acha?
- Hum, não sei...,
aqui é uma casa de banhos públicos, não me agrada a ideia de você ficar nua na
frente de estranhos. - Xena responde com tom sério.
A loira a princípio
se surpreende, mas insiste: - Ora, mas você também vai ficar nua.
- Ah, mas é
diferente... - A frase da guerreira é interrompida.
- Aaahh quer dizer
que eu não posso, mas você pode? ... Ah vamos, por favor... - Insiste a loira
com voz dengosa.
Xena cede ao desejo
de Gabrielle. - Está certo, mas primeiro vamos procurar um ferreiro. - Diz a
guerreira.
As mulheres
descem do cavalo e se dirigem a um ferreiro. Xena deixa Argo aos cuidados do
homem com a promessa de vir buscá-lo após duas horas e depois se encaminham
para a casa de banhos. A guerreira escolhe o salão mais privado possível; se
despem e entram. Eram apenas as duas na grande câmara. Xena acomodou-se onde a
água jorrava de uma caneleta na pedra, deixando cascatear sobre os cabelos
compridos e ficou ali imóvel, mas com os sentidos alertas e a espada e o
Chakram sempre ao alcance das mãos.
A água quente por
toda pele nua deu uma maravilhosa sensação de relaxamento que é aproveitado por
ambas. Após o longo banho, já refeitas, se vestem e se encaminham para o
mercado.
...........................................
O comerciante passa
em frente à casa de banhos exatamente quando Gabrielle e Xena saíam.
Instintivamente ele coloca a mão sobre o tapa-olho que agora usava para
esconder o olho esquerdo que ficara cego devido aos violentos golpes desferidos
pela guerreira. As recordações fazem o ódio ferver o sangue do homem.
A loira se encanta
com as sandálias, peles, tecidos e adornos expostos nas barracas enquanto Xena
compra os mantimentos.
O homem as observa
à distância numa luxuosa liteira carregada por escravos. - Nada é mais doce que
a vingança. - Murmura para si mesmo.
...........................................
Corinto é uma
cidade que abriga uma variada população. O intenso tráfego de civis e soldados,
as luxuosas liteiras carregadas por escravos conduzindo os nobres ou suas
mulheres, autoridades militares em suas montarias, luxuosos e imponentes
prédios; a cidade era bem organizada, todas as ruas se ramificavam em acessos a
todas as ruas largas e estas por sua vez desembocavam na praça central da
cidade. Mas à medida que se afastava, a distante periferia abrigava à população
que era considerada a escória de toda cidade. Ladrões, prostitutas, assassinos,
mercenários, aleijados e doentes; e nesse ambiente de degradados, por um
punhado de Dinares se contratavam assassinos.
Alguns minutos
antes da meia noite, o criado entra na taberna e se dirige ao balcão procurando
informações onde encontrar um determinado homem, um conhecido assassino. É
apontado um homem gigantesco que envolto numa capa de lã preta bebia apoiado
num pilar de canto no fundo do recinto. Engolia a bebida em grandes goles,
deixando escorrer pelos cantos da boca, molhando a barba.
O criado se
aproxima do homem e pergunta temeroso: - Seu nome é Urbba?
Com um olhar
penetrante o homem responde: - Quem quer saber?
- Meu senhor deseja
contratar seus serviços. - Diz o criado.
- E quem é o seu
senhor? - Pergunta o homem.
- Um rico
comerciante da cidade, seus serviços serão muito bem pagos. - Responde o
criado.
- Onde posso
encontrar esse homem?
- Ele o aguarda em
outro local, é só me acompanhar. - Diz o criado em seguida sendo acompanhado
pelo gigantesco homem.
O comerciante
estava contente com a chegada do homem tenebroso. Era carrancudo, tinha cabelos
ensebados de cor negra, uma comprida barba trançada, malévolos olhos azuis
acinzentados e um aspecto peçonhento e sujo. Seus braços e pernas pareciam
toras de madeira de tanta rigidez e andava esbarrando nas pessoas com trancos
violentos sem se importar com nada. Uma espada presa ao cinto e um machado
preso às costas. O serviço estava contratado, metade paga imediatamente e o
restante quando Xena estivesse morta.
Urbba recebe as
informações necessárias e se dirige para o trajeto da vítima. Nenhum tom cinza
ainda surgira no céu. Está frio, mas isso não parece incomodar o gigantesco
vulto que caminha pelas sombras da cidade adormecida. A essa hora da madrugada
as ruas estão desertas. Urbba para próximo a uma esquina de acesso a uma das
vielas. Escondido nas sombras de um beco próximo, ele observa e aguarda.
Esperou ali pacientemente até uma faixa cinza clarear o horizonte. Ouviu vozes
na hospedaria, minutos depois duas mulheres saem se dirigindo ao estábulo
próximo.
Era a hora. O cinza
da borda do mundo clareou. Uma estocada profunda com a espada será suficiente.
Ele se aproxima sorrateiramente por trás das duas e golpeia a mulher alta. Ele
sente o impacto do golpe subir pelo seu braço enquanto a ponta penetrava e
cortava o couro da bolsa da guerreira que com agilidade felina, usou para se
proteger do ataque e chuta o homem com brutalidade, tentando atingir sua
virilha, mas o golpe foi aparado com firmeza.
Gabrielle se
assusta com o grito de Xena: - CORRE PARA O ESTÁBULO! - Gabrielle está
aturdida. - VAI! - Grita a guerreira tentando tirar a loira do torpor. A loira
obedece.
Urbba tenta mais
várias estocadas, mas todas são defendidas com agilidade. Xena desembainha a
espada e revida os golpes violentos do assassino. A força do homem era uma
coisa colossal; os músculos da guerreira ressentiam a cada golpe defendido, era
como se estivesse sendo atingida pelo martelo de Hefesto.
As espadas se
chocavam com tanta força, que por vezes podia se ver faíscas saindo das
lâminas. Algumas vezes se aproximavam num contato de corpos, que eram
imediatamente separados por socos ou chutes. Numa aproximação ela sente o mau
hálito do homem que berra:
- Depois de matar
você, vou violentar sua amiga, rasgá-la! Vou estripá-la sem piedade.
As estocadas
mortais eram defendidas com agilidade. Num rápido movimento girando a
espada, Urbba deu um corte no braço de Xena, próximo ao ombro esquerdo. A
guerreira sentiu o sangue escorrer pelo braço. Houve uma rápida separação dos
lutadores como se estivessem se avaliando. Os olhares de ambos faiscavam de
puro ódio. Xena sentiu a besta negra emergir de suas entranhas com uma fúria
descomunal. Xena atacou e atacou. A força da grega tinha se multiplicado
inexplicavelmente. Ela atacava sem dar qualquer chance de revide, empurrando o
homem contra a parede de uma casa; Xena aplica um veloz golpe rasteiro nas
pernas de Urbba derrubando-o. Ainda no chão num rápido golpe ele corta Xena
acima do joelho, fazendo o sangue quente da guerreira escorrer pela bota. Ele
se levanta com uma agilidade espantosa para um homem daquele tamanho. Em
seguida ele tenta acertar o tornozelo da guerreira que pula escapando do golpe
e seus pés atingem o rosto e o peito de Urbba ao mesmo tempo em que crava a
espada na perna do homem. O gigante barbudo solta um grito pavoroso se
retorcendo de dor. Com outro rápido giro da espada a guerreira corta o dorso da
mão do homem que solta a espada.
Tamanha eram a
força e a fúria do homem, que com um rugido Urbba se atira contra Xena gritando
em desafio, desta vez empunhando o grande machado, girando sua lâmina
gigantesca, disposto a acabar definitivamente com a luta, tentando derrubar a
guerreira com peso e força bruta. Xena salta para trás um segundo antes do
machado girar onde suas pernas estavam. Ela estoca a espada para frente
acertando o homem no ombro, mas o gigante pareceu não sentir o golpe. O
grosso colete de couro impediu que a estocada fosse profunda.
Urbba gira o
machado para cima tentando estripar Xena do ventre ao peito. Com os sentidos
completamente ligados na luta, a guerreira com um salto e cambalhota no ar,
voou por cima do homem, caindo com os pés nas suas costas, derrubando-o e o
golpeou uma, duas vezes, ambas com golpes poderosos usando as duas mãos e toda
força que ainda tinha. A lâmina rasgou profundamente o braço acima da dobra do
cotovelo. O braço que segurava o machado baixou, tendo toda sua força roubada.
Havia sangue na barba do gigante e então ele soube que ia morrer, mas não
desistiu. Viu a morte chegando e lutou contra ela, trocando o machado para a
mão ferida, tentando acertar Xena.
O sol já vinha
empurrando a escuridão quando Xena o golpeou sem piedade no pescoço. Ele
cambaleou com o sangue escorrendo pelo peito e ombro; olhou a guerreira
incrédulo, enquanto tentava ficar de pé.
Ele caiu de
joelhos, ainda olhando a mulher. Tentou falar, mas nada saiu e a guerreira lhe
dá o golpe de misericórdia. Ele ainda não tinha morrido, mas estava morrendo,
porque o último golpe tinha entrado fundo no pescoço do homem. Então Urbba
estremeceu e se ouviu um ruído rouco borbulhando em sua garganta, como um
último suspiro.
...........................................
Xena vai para o
estábulo e depara com Gabrielle apavorada ao ver seu estado. O sangue
escorrendo pelos ferimentos e vários hematomas.
- Pelos deuses...,
quem era aquele homem? - Pergunta a Barda.
- Um assassino
contratado. - Xena responde.
- Mas, por quê?
Será que...? Mas não vimos aquele monstro miserável! - Diz a Barda se referindo
ao comerciante.
- Mas com certeza
fomos vistas. - Responde a guerreira.
A guerreira
resmunga, enquanto se apoia no ombro da loira e pula apoiada em só uma perna.
Um gemido de dor e Xena se acomoda sobre um monte de feno.
- Aaaiii,
cuidado aí. - Reclama Xena, olhando para o corte no braço.
- Desculpe..., é
que eu não tenho prática com isso. Temos que cuidar disso rápido, você perdeu
muito sangue. - Diz a Barda enquanto examina os ferimentos que não são graves,
mas são profundos.
Quase num sussurro
Xena diz: - Eu só preciso descansar um pouco.
Gabrielle corre na
hospedaria e volta com um balde com água e panos limpos. Tira a armadura da
guerreira, a roupa de couro, braçadeiras, munhequeiras e botas. Deixando-a
seminua. Joga tudo no chão, pois estão sujas de sangue. Sente o olhar de Xena
acompanhando cada movimento seu.
Encharcando o pano
a loira vai delicadamente limpando o corpo da guerreira, a água vai aos poucos
se tingindo de vermelho enquanto sua pele vai se limpando do sangue. A Barda
lava cuidadosamente o rosto de Xena, a mancha arroxeada na bochecha próxima ao
olho direito agora se acentua e o lábio para de sangrar. Alguns hematomas nas
costas e no abdome mostravam a ferocidade da luta.
- Ali na bolsa tem
unguento. Ajuda cicatrizar mais rápido. - Diz Xena apontando para a bolsa cortada
por Urbba.
Gabrielle seca a
pele de Xena, passa unguento nos ferimentos e enfaixa cuidadosamente, mas com
firmeza os lugares atingidos. Os olhos azuis encaram Gabrielle como se
quisessem dizer algo.
- O que foi? -
Pergunta a loira, sentindo que algo incomodava sua amada.
Xena abaixa a
cabeça pensativa e depois encara a Barda. Após um profundo suspiro ela diz: -
Está vendo o que eu quis lhe dizer quanto a me acompanhar? Nossa vida será
assim, de perigos constantes, violência, lutas para sobreviver... Isso
não é vida para você. Eu nunca me perdoaria se te acontecesse algo... Eu cometi
um erro..., seria melhor que você voltasse... - A frase de Xena é interrompida.
- Ssshhiii, não
diga isso..., eu estou aqui por que quero... Quero viver com você, quero te
acompanhar por onde você for. - Diz a Barda colocando os dedos sobre os lábios
da guerreira e continua: - Te amo e vou te amar para sempre e se você diz para
alguém que vai amá-lo para sempre, isso significa para sempre, ouviu?!
Ensaiando um
sorriso a guerreira responde: - Eu também te amo e vou te amar para sempre.
Xena deita-se sobre
o feno sempre com a espada e o Chakram ao alcance das mãos; seu descanso é
vigiado por Gabrielle.
...........................................
Após algum tempo
Xena levanta e se veste, embainha a espada e prende o Chakram na cintura. Com
voz determinada ela ordena a Gabrielle. - Fique aqui, tenho que fazer uma
“visita”!
- Não Xena, por
favor, não vá, você está muito machucada! - Suplica a loira.
- Você vai ficar
aqui como estou mandando. - Com um tom de voz firme, encarou Gabrielle com um
olhar selvagem e frio, que assustou a pequena mulher, deixando-a sem ação.
Nesse instante a Barda percebeu que não deveria desobedecer a ordem.
Xena se aproxima de
Argo e acariciando o focinho do animal, cochicha algumas palavras em seu
ouvido. Imediatamente como se tivesse entendido cada palavra, o cavalo bufa,
relincha e bate com as patas no chão.
...........................................
Xena corre, toma
impulso e com um salto e uma cambalhota em pleno ar pula para a varanda do
suntuoso sobrado. Com os sentidos alertas, ela ouve os sons na cozinha; os
criados iniciando suas tarefas diárias. Ela pula a janela cuja proteção é
apenas uma leve cortina de algodão branco que balança ao sabor de uma brisa
matinal.
Na larga cama o
homem é acordado com um metal frio pressionando sua garganta. Os olhos azuis da
guerreira faiscavam de raiva. Ele tenta falar, mas Xena põe um dedo nos lábios
recomendando silêncio.
- Vim lhe entregar
isso! - Diz a guerreira cravando o machado de Urbba na cabeceira da cama a
poucos centímetros da cabeça do comerciante. - Seu assassino não foi bem
sucedido como pode ver.
O homem não se
mexia tamanho o pavor que gelava seu sangue.
- Esqueça-nos e não
se atreva a tocar em ninguém da família da Barda... E eu prometo que não vou
cortar sua garganta. - Ameaça a guerreira.
Xena se afasta e
vira-se lentamente se dirigindo para janela, de repente o homem grita: -
ACUDAM, ACUDAM TODOS, SOCORRO!
Com a rapidez de um
raio a guerreira se volta e pressiona dois pontos no pescoço do comerciante que
imediatamente começa a sufocar, as veias do pescoço estufam como se fossem
explodir, o nariz sangra e ele começa a arroxear, tenta inutilmente respirar,
cai ajoelhado com os olhos esbugalhados.
- Eu só disse que
não ia cortar sua garganta! - Diz a guerreira e salta a janela, deixando o
homem se debatendo em seus últimos segundos de vida.
...........................................
Xena retorna ao
estábulo e enquanto arrumava Argo, percebe que Gabrielle estava inquieta.
- Que foi alguma
coisa errada? - Pergunta a guerreira.
A loira hesita: -
Você..., você...
Sem encarar
Gabrielle, Xena interrompe: - Eu não cortei a garganta dele se quer saber.
- Mas... -
Novamente a loira é interrompida.
- Está tudo
resolvido, vamos esquecer esse assunto! - Xena responde com impaciência.
A Barda olha Xena
desconfiada. No pouco tempo que se conheciam, Gabrielle já reconhecia os sinais
quando um assunto desagradava a guerreira e um levantar de sobrancelha era
sinal que a insistência da loira estava se tornando irritante.
- Xena... - Diz a
loira.
- O que foi agora!
- Responde a guerreira com rispidez, virando-se e encarando Gabrielle com
seriedade.
- Antes de sair
você falou com o Argo como se ele fosse uma pessoa. O que você disse a ele? -
Pergunta a loira.
Xena dá um pequeno
sorriso com certo alívio e responde: - Nada demais.
Gabrielle insiste
curiosa: - Ah me diz, por favor.
- Eu disse..., que
se ele protegesse o meu amor, ganharia umas maçãs. - Xena responde sem jeito.
A Barda abre um
belo sorriso e num ímpeto de alegria Gabrielle abraça a guerreira com toda
força que seus braços podem ter.
- Aaarrhhh... -
Xena solta um gemido de dor, assustando a loira que se afasta imediatamente.
- Ai meu Zeus...,
me desculpe! Eu esqueci. - Disse a loira.
- Não foi nada...,
tudo bem. - Xena respira fundo se recuperando da dor. - Vamos ter que esperar
mais um pouco para “comemorar”, mas depois...
- Xena..., você mal
está se aguentando em pé, nem pense nisso. - Diz a loira, embora estivesse
intimamente desejosa de uma rapidíssima recuperação de sua amada.
- É, mas beijar eu
posso. - Diz Xena abrindo um lindo sorriso.
...........................................
Gabrielle e Xena
tomam o rumo da saída da cidade e voltam para estrada em direção a uma vida de
aventuras, juntas como duas almas que se amam e sentem que estarão unidas por
toda eternidade. Enquanto cavalgavam Gabrielle pensava que as três Moiras fazem
a nossa vida e nós somos seus joguetes e mesmo achando que fazemos escolhas,
todo o nosso destino está nos fios das fiandeiras.
Pensava que a vida
era feita de fios que se entrelaçavam; nas pessoas que conheceu e que mesmo
separadas faziam parte de sua vida.
- Hum..., isso
seria um bom começo de estória. - Resmunga a loira.
- O que você disse?
- Pergunta a guerreira.
- Hein?... Não,
nada..., estava só pensando alto.
E isso foi o início
de tudo.
FIM
Notas
Finais
Atenção: Esta fict
também se encontra publicada no Nyah (Alba Diniz) e no Spirit (ALBANIZ), portanto
não se trata de plágio, eu sou a própria.