Translate

DAS SOMBRAS DA MALDADE AO FOGO DO AMOR - Capítulo 16: O Amor Desconhece Razões


Xena havia cavalgado quase que incessantemente, achou estranho não encontrar pelo caminho seu emissário e um frio lhe correu a espinha. Naquele momento foi  tomada por uma estranha sensação de medo e seu  pensamento foi até Gabrielle. Xena não era uma mulher conhecida por temer algo ou alguém, mais pela primeira vez tinha alguém que valia a preocupação e o cuidado dela. Os primeiros raios do dia chegaram junto com  Xena a Potedia, ao entrar pela estreita abertura que dava acesso ao vilarejo Xena nota um excessivo silêncio, e tudo que encontra pela frente é destruição, casas que terminavam de queimar. O cheiro de sangue invade as narinas da guerreira que começa a entender o motivo de não ter encontrado seu emissário.
“Deuses... Quem teria interesse em causar isso?”
Andando no meio da destruição, revirando o que encontrava, a guerreira vai  ao que restava de uma casa no fundo  do  vilarejo. Não tinha sido queimada, mas havia sido destruída. Mentalmente repassava que a possibilidade de encontrar a verdade ou algo sob o passado  de Gabrielle estava tão destruído como aquele lugar, não havia nada ali e os prováveis sobreviventes de certo haviam fugido.
***
O dia amanhecia na fortaleza e Gabrielle costumeiramente acordaria cedo para preparar as coisas da senhora conquistadora. Naquela manhã seria diferente, uma vez que ela ao adormecer a duras penas teve a consciência de que a mulher não estava no castelo. Abriu os olhos e ao pensar nisso se sentiu culpada, lembrou-se da ultima vez que seus olhos se encontraram, nos dela havia pavor e nos de Xena um medo... Sim, ela havia visto medo no olhar da guerreira. Gabrielle sabia que o envolvimento delas esbarraria em muitos problemas, mas jamais pudera imaginar que sua resistência a violência e a forma com a qual se assustou em ver a mulher por quem tinha fascínio  assassinar aquele homem  afetaria de tal forma a ponto dela desaparecer do castelo. O coração da pequena era habitado por desassossego, sentimento esse que se tornou a ela comum desde que conheceu Xena. Afastando esses pensamentos Gabrielle  procurou se ocupar, precisava se distrair e sabia que  ócio em nada ajudaria a tirar de seu coração a angustia que sentia por não saber o destino da conquistadora. Desceu até a cozinha do palácio e onde sem  surpresa encontrou  Mira entregue a seus afazeres.
- Aí está você menina, o que faz por aqui tão cedo?
- Vim ajudar, preciso fazer algo que me ocupe.
- Ocupe-se com a afeita nos aposentos da senhora conquistadora, precisará de um banho quando se dignar a voltar.
- Sabe onde ela está?
- Hahaha...  O dia que Xena der explicações do que faz é o fim da Grécia, menina.
Gabrielle abaixa o olhar em clara decepção, espera de alguma maneira saber de Xena, faltava algo nela.
- Ouça menina, Xena já está velha demais para não saber se cuidar, não há razões para se preocupar, porque não demora ela entra feito uma besta fera por essas portas.
- Eu me preocupo com ela, jamais  entenderei como ninguém  se preocupa, ela é só uma mulher. E é que... Humm... Há tanta maldade por ai.
- Eu sei menina, mas ela sabe se cuidar. Ouça, suba e prepare as coisas dela como sempre e espere por ela...
Gabrielle  assentiu com a cabeça e começava a se encaminhar pelo corredor quando a voz da velha escrava irrompe seus sentidos:
- Imagino que não seja nada fácil lidar com tudo, lidar com ela, e amá-la do jeito que você ama, mas se parece difícil pra pessoas normais imagina pra quem nunca viu nada de bonito na vida... Ela nunca soube o que é isso... Cuide que ela saiba.
Gabrielle ouviu cada palavra atentamente antes de se virar e responder. Caminhou pelo longo corredor pensativa e distraída que em momento algum se deu conta que estava sendo vigiada de muito perto por olhos que traziam somente escuridão.
“Então quer dizer que estamos falando de amor. Como essa maldita escrava insignificante ousa tocar no que é meu? Vai pagar muito caro por isso.”
Os frios olhos se perdem entre as paredes do castelo se encaminhando  rumo à área externa, caminhou alguns passos até alcançar o fundo de uma das senzalas, o ódio tomou conta daquela figura que socava uma coluna de  pedra que mantinha a estrutura do lugar.
“Xena é minha, só minha”
Nesse momento  uma figura se materializa na frente da mulher que socava a coluna quase a matando de susto...
- Quem é você?
- Presumo que uma escrava de fato não reconheça um deus, não te interessa muito saber quem eu sou, te interessaria talvez o que eu possa te dar, temos interesses bastante comuns Melina...
- Quem é você?
- Pergunte menos e me escute mais... Ouça, quero que você...
***
Xena havia deixado  o vilarejo para trás sem nenhuma resposta, pôs-se a toda marcha rumo a Corinto, havia saído  sem falar com Gabrielle, tinha visto nos olhos dela o pavor imposto  por sua atitude brutal com Batios, sabia que não seria fácil mostrar ao seu pequeno anjo  que certas coisas se faziam necessárias. Tinha pensando naquilo boa parte da noite anterior e se viu disposta a fazer o que preciso fosse para que sua amada entendesse suas reações e tentasse aceitá-la sem desistir ou sentir medo.
“Eu jamais machucaria você, minha pequena”
Não muito  longe  das imediações de corinto, Xena sabia que teria  problemas. Encontrou pegadas na estrada, imaginou que fossem alguns ladrões e que poderia dar conta deles sem maiores complicações, até que  mais a frente avistou caído o que seria  o elmo de um soldado  persa. O frio percorreu a espinha  da mulher, Xena sabia bem da fama dos persas, era um dos exércitos mais violentos do mundo conhecido e não entendia a razão  deles estarem ali, sabia que a investida de Batios era o prenúncio de que teria mais problemas, mas os persas  nunca lhe ocorrera. Saiu daquela rota tomando um caminho um pouco mais  longo, mas tinha consciência que deveria evitar problemas, tinha na coxa  um corte  que ainda a incomodava e tudo que queria era regressar ao  palácio. Sentia uma necessidade imensa de encontrar  Gabrielle, queria contar a ela tudo que havia visto, mas sabia que causaria dor ao informar que muito provavelmente havia perdido sua família. Xena não tinha duvidas e acreditava que a menina não era uma escrava por herança.
“Pelas bolas de Ares! Como vou contar isso a minha pequena?” - seu pensamento fora cortado quando sentiu um cheiro familiar lhe rondando.
- Apareça Ares, e me poupe dos seus joguinhos.
-Xena, me decepciono toda vez, nunca consigo surpreendê-la. Por outro lado não pode negar que estamos ligados, você me sente...
- Deixe de enrolação! O que você quer dessa vez, imundo? - disse a guerreira montada em sua égua que tinha o deus feito estaca a sua frente.
- Ora, ora, Xena, vejo que tem pressa, nunca imaginei  ver você tão  caseira.
- Fique com suas gracinhas.
- Xena, lute minhas guerras, fique ao me lado e nada lhe alcançará.
- Ares, desista, não entro mais em seu jogo sujo, se veio aqui pra isso perdeu seu tempo.
- É só um aviso, muito em breve vai implorar pra lutar ao meu  lado.  HAHAHAHAHA...
A  luz do entardecer tomava agora os vitrais dos grandes aposentos da conquistadora, os olhos verdes procuravam nos campos através da pouca luz que ainda restava algum sinal que acalmasse seu coração, em vão. Impaciente e sem mais aguentar ficar presa sem nada pra distrair suas aflições, Gabrielle desce os corredores passando pelos guardas e atravessou discretamente o pátio que já não tinha mais movimentação de soldados e alcançou  os jardins. Gostava de ficar ali, o perfume das flores lhe trazia uma paz, o cheiro do campo  lembra algo que agora estava muito distante para ela, tinha cheiro de casa, do lar que em outrora fosse seu. A calma de Gabrielle não tardou em ser furtada, foi surpreendida por uma mão forte  que apertou o contorno do seu braço fazendo-a gritar.
- AIIIII!!
Ao virar os olhos tomados pelo medo, Gabrielle encontra a figura forte do  general que a tempos a atormentava.
- Então a putinha da conquistadora ganhou alforria? Desfrutando da ausência de sua senhora, escrava? - Indagou em tom grave Lugo que seguia apertando os braços de Gabrielle.
- Me solta, você está me machucando. - A voz de Gabrielle quase não saía.
- Creio que na ausência de sua senhora possa servir para divertimento de mais  alguém.
- Me solta, me larga, seu nojento. - Gabrielle tentava a toda força se soltar daquelas mãos.
Lugo arrastou Gabrielle a força para uma área próxima ao estábulo após lhe deferir um tapa na tentativa de calar os gritos que dela vinham. Lançou o corpo da pequena escrava contra o muro de pedra a toda força.
- Xena nunca foi burra, soube sempre escolher suas putas de cama muito  bem. E sabe Gabrielle, eu nem me importo, mas pensar que ela nutre por você algo como todos têm falado por aí realmente não me agrada.
As lágrimas tomaram conta de Gabrielle que era só medo e horror, mentalmente clamava que Xena pudesse tira-la dali, mas lembrou-se que a conquistadora estava em algum lugar, menos ali.
- Já que a senhora do mundo pode, eu posso também. - disse o homem mordendo o pescoço da pequena e levando a mão por baixo da túnica que cobria a escrava.
“Deuses ajudem-me, não deixe que aconteça dessa forma, não deixe que esse homem me possua”
Xena havia posto sua égua em marcha forçada assim que Ares desapareceu frente a seus olhos, entrava em Corinto  pelo estreito corredor de seu estábulo particular, deixou  na baia sua égua e colocou para ela um balde de água.
- Beba menina, como sempre merecedora.
Xena já se encaminhava para o acesso que a levaria para o interior do castelo quando algo lhe chamou atenção. O som parecia de um grito abafado que vinha de perto  dali. Deu a volta no estábulo como um gato silencioso, procurava algum movimento  de exército inimigo por sob a muralha, mas seus cálidos olhos azuis nada encontrou.
Lugo forçou as costas da escrava contra o muro de pedra mais uma vez e com mais força, que o barulho do choque  alcançou  os ouvidos sensíveis da guerreira que correu naquela direção. O tempo foi suficiente somente para que ela bradasse com todo seu ódio diante do que viu:
- LARGA ELA, SEU IMBECIL!!
Os olhos de Lugo congelaram em pânico, os olhos de Gabrielle se encheram de luz...
- Xena... - disse a menina em um fio de voz.
Xena alcança com um salto mortal as costas de Lugo, goleando-o com violência, que ele choca a testa  direto nas pedras do muro ficando quase inconsciente. Gabrielle instintivamente corre para abraçar sua salvadora, Xena parecia sempre estar lá por ela. Porém antes de alcançar o corpo da mulher, um golpe certeiro alcança seu rosto e suas costas mais uma vez encontram o muro  de pedra.
- Escrava vagabunda, eu viro as costas e você se esfrega com meus generais? - dizia a guerreira tomada por uma fúria que escurecia seus olhos.
- Xena, eu não...
- Cale a boca sua puta, pensa que porque eu usei você tem direito de  se dirigir assim a mim? É senhora conquistadora pra você, quem você pensa que é? - disse erguendo Gabrielle pelo pescoço quase a deixando sem ar.
- Senhora eu não fiz nada, eu só... - dos olhos de Gabrielle escorria um pranto de dor, a dor física nem era sentida, a dor da incompreensão da mulher que fora tão carinhosa e protetora agora  fazia dela mil pedaços.
Xena saiu dali arrastando Lugo até o pátio e empurrando Gabrielle  travada pelo pescoço. Xena tinha o ódio tocando a superfície do seu ser com plenitude. O choro incontido de Gabrielle foi suficiente para  alarmar o quartel e alguns soldados se puseram  de fora quando Xena alcançou o centro do pátio.
- Acorrentem esse imbecil no tronco como um escravo, deixe-o nu e sem água, que vou tratar dele pelo amanhecer.
- Sim, senhora conquistadora. - disse um soldado batendo no próprio peito em reverência.
Xena  continuava arrastando Gabrielle em direção ao interior do castelo, seus passos agora alcançavam o longo  corredor de acesso a seus aposentos. Um grito de súplica de Mira pode ser ouvido:
- Menina, Xena, pelos deuses! Não faça nada que lhe fará perder a alma, não faça nada do que se arrependa e não dê pra consertar! Xenaaaa!
A súplica da escrava foi ouvida por Xena, mas não parecia ter alcançado seu coração, o ódio palpável ainda estava ali, uma resignada Gabrielle somente chorava e permanecia de cabeça baixa enquanto era praticamente arrastada. Xena abriu a pesada porta de acesso aos seus aposentos com um chute, os guardas que estavam a sua porta se afastaram para não ser atingidos. Ao abrir o espaço atirou Gabrielle a sua frente com um  empurrão que a fez ir ao chão.
- Como fui imbecil e me enganei tanto com você, sua escrava de merda!
Com mais um tapa deferido no rosto da pequena escrava, Xena lhe deu mais alguns tapas pondo todo seu ódio ali. Deixou a menina caída no quarto quase sem se mexer, e foi em direção à sala de banho. Despindo-se mergulhou na água sem preparo e fria da tina.
“Guerreira imbecil, como se deixou levar? A escrava deve estar rindo de você agora. Você se permitiu ser tocada por ela e ela se deitando com seus generais e se dizendo virgem. Como fui tola, não a violei por sentimentos, e olha como ela te trata, abrindo as pernas pro seu general”
Um desconhecido calor toma o rosto da guerreira, as lágrimas escorriam de seus olhos, no peito o punhal do ciúme lhe rasga, o ódio que sentiu nada mais era que a punhalada do ciúme cortando seu coração, e cegando seus sentidos e sua razão.
Caída na antecâmara, Gabrielle chora e chama baixinho:
- Xena...
A guerreira se joga na cama, e luta com sua consciência tentando dormir, se revira na cama, o corpo está exausto, os sentimentos embaralhados, o ódio que  lançou sob Gabrielle parecia agora se afastar e a tristeza se fazendo presente. Estava agoniada, a lembrança dos olhos tomados pelas lágrimas a corroíam, os soluços de Gabrielle haviam cessado há um tempo e tudo que a guerreira ouvia  eram os demônios de seu ser...
“Por que, imbecil, foi deixar se levar por sentimentos?”
Xena travou a batalha consigo mesma por longas marcas de vela, ninguém se atreveu sequer a bater a porta, todos sabiam o quanto perigosa ela podia ser quando tomada pela besta, estava sozinha naquela cama  e a paz mais uma vez a abandonara. Perdeu a batalha para si mesma...
“O que você fez guerreira estúpida? Como pode surrar quem só lhe trouxe  paz até enquanto dormia? Ela me traiu, não traiu?”
 Xena se levanta de um salto e se põe lentamente a andar pelo espaço de um lado pro outro, as lágrimas mais uma vez tomaram seu rosto, e caíam de seu queixo alcançando seu seio exposto. Estava nua, havia saído da água e se enfiado nos lençóis buscando uma calma que sabia que não teria. Já devia ser alta madrugada quando a passos largos se encorajou o suficiente para andar na direção da antecâmara. Caminhou ali mais lentamente até estar diante do pequeno corpo encolhido no chão.
“Deuses, eu sou um monstro, o que eu fiz?”
Xena se abaixa com um medo que nunca sentiu antes, queria tocar a pele pálida da pequena, mas sabia tudo que havia causado.  A mão da guerreira pairava a centímetros do rosto de Gabrielle, mas um medo congelante a impedia de tocar. Ficou ali perdida, não conseguia sufocar  o choro, havia ferido sua menina, seu amor. Era incapaz de se perdoar.
“Deuses, não...” - era a súplica de uma mulher que não continha suas ações, e notava agora que não continha também o amor que crescia em seu peito.
- Eu amo você pequena, por que você me traiu?
As pequenas mãos de Gabrielle encontram as mãos da guerreira e as leva a tocar seu rosto.
- Eu não traí você, seus olhos te traíram... Eu amo você, Xena.
Aqueles olhos verdes queimam o olhar da senhora do mundo...
- Como pode dizer isso, Gabrielle? Olha o que eu fiz.
- O amor desconhece razões... 
Apertando as mãos da guerreira, Gabrielle  não suporta mais as dores do corpo e desfalece.
Os olhos de Xena são tomados de pânico, o coração dela era dor...
Olhos atentos vislumbram do Olimpo:
- Guerreira de tantas batalhas perdendo para amor... Tolinha...
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário