O frio que assustara Mezentius nada mais era que o fio da
espada da conquistadora que descansava sob o pescoço do asqueroso homem. Em um
salto repentino diante do susto se pôs de pé, mesmo que desnudo tomado por um
medo que embora não admitira sentir, o homem saúda a bela mulher a
sua frente.
- Olá Xena, quanto tempo?
- Nunca é tempo demais ficar longe de porcos asquerosos como
você, e tenha a decência de subir seus trapos imundos que não sou obrigada a
tratar com você e ainda mais desse jeito nojento.
- Olha, olha, se não é a senhora conquistadora cheia de não me toque.
Agarrando Mezentius pelo pescoço, Xena que viera até
tal ponto como o único propósito de livrar-se dele, o pressiona contra o
tronco de uma árvore lhe dizendo de dentes cerrados - Eu já lhe dei uma surra e o pus pra fora de meus domínios em outra época e você se atreve a
voltar com esse bando de inúteis aos meus portões, espero que você tenha uma
boa razão que vá ao menos justificar a sua morte.
Na visão lateral da conquistadora ela avistava aqueles escravos
imundos, o que lhe revirava o estômago, e junto deles aquela minúscula figura
loira que estava a ponto de ser abusada. Xena não era uma mulher que se vestia
de sentimentos, mas de alguma maneira a situação daquela menina a incomodou e
sua ira pelo comerciante aumentara. O mesmo já estava quase sem ar morrendo nas
mãos da conquistadora quando resolve lhe dizer que vinha trazer aqueles
presentes e algumas informações de interesse da Imperatriz.
- Então você ainda se atreve a barganhar informação comigo, Mezentius? Se veio atrás de favores ou de dinares por esses pobres diabos, errou
a direção.
- Xena, Xena... Como sempre tão arrogante, deveria me calar e
deixar você sucumbir junto com tudo que conquistou.
Xena não se assustava diante disso, pois sabia que tinha
poderosos inimigos e que em seu reino havia traidores, só não sabia ainda quem
eram.
Decidiu que naquele momento poderia tirar proveito da situação,
embora notasse que a sua volta existia cerca de 10 homens que a cercavam. Pressionando ainda mais o pescoço do homem que mantinha preso somente com
uma mão, vociferou a ele - Fale tudo que você tem pra falar que talvez eu
não o destripe agora.
Mezentius sabia que poderia duvidar de tudo menos da conquistadora
e sabendo dos planos que se formavam tinha a clara noção que não gostaria
de estar mais uma vez em lado oposto daquela mulher e rapidamente lhe diz - Além
desses presentinhos que recolhi no caminho de Corinto, vou lhe alertar vadia. O exército de Batios está a norte daqui se fortalecendo para destroná-la,
sabe de tudo que se passa nesse castelo e entrará nele pela porta da frente
para te matar puta.
Não houve tempo para mais nada. A ira instalada nos olhos de Xena
atravessa aquele homem junto com um golpe de sua espada que foi enterrada nas
suas entranhas. Com um riso gutural a esguia figura ia aos poucos retirando a
espada dele e encarando os que a atrevia cercar, que, percebendo onde tinham se
metido, batem em retirada deixando aqueles homens e mulheres que chegaram
consigo.
Coberta de sangue e tomada pela ira, a imperatriz já virava nos
calcanhares de volta a fortaleza sem ao menos se dar conta que a sua
frente Nereu e seus homens a olhavam com dúvida, quando seu
capitão se dirigiu a ela pondo em questão - Conquistadora, o que faremos
com esses escravos?
Nesse momento ela se dá conta dos pobres diabos imundos e fedidos
que agora estavam às suas costas - Arrastem-os para a fortaleza, creio que
Mezentius não irá se importar - Tudo que se ouve, além da gargalhada da Senhora
do mundo, eram pequenos soluços vindo de uma cálida criatura.
Xena refaz o caminho pensando no que ouvira, Batios estava crente
que tomaria seu trono invadindo Corinto pela porta de entrada, se assim fosse
obviamente existe um traidor embaixo do seu teto, e agora deveria descobri-lo
antes de ser morta por uma cobra na sua própria cama. Contagiada de uma
ausência de humor a Imperatriz percorre os corredores do palácio rumo a
sua sala de audiências. A essa altura toda a tropa da conquistadora sabia
do estranho movimento e atrás dela em passos largos se encaminhava Agron,
General de comando dos Falcões, a elite do exercito de Xena que era
pessoalmente treinado por ela.
- Conquistadora?
- Agron, não me venha questionar algo, não é um bom momento, e vejo
que estou cercada de incompetentes, pois estou sendo ameaçada a porta do meu
palácio e desconfio que meus homens de nada sabem disso né?
Agron usando de toda liberdade que mantinha por ser General
de confiança de Xena lança a ela palavras que a assuntam ainda mais...
- Infelizmente minha senhora, o que se houve de todos os cantos em Corinto é que
há inimigos a ronda, e desaprovam sua postura de comando. E sim, sei
que algo está em curso, só não sabemos a direção.
Andando em direção daquele homem e sentindo que ele
aparentava diminuir de tamanho na sua presença lança-se em cima
dele, agarra-o com a espada em punho - Eu quero saber quem conspira contra
mim e seus planos até amanha ao pôr do sol, e se não puder descobrir ainda sim
o quero em minha presença para lhe mostrar a minha tolerância para com
incompetentes.
Lançando Agron ao corredor, fecha a porta atrás de si com tamanha
força que do pátio se ouviu o barulho do batente.
Nesse momento, atravessando o pátio da fortaleza, entrava Nereu
trazendo aqueles despojos que Mezentius trouxera. No fim da fila vinha aos
prantos àquela figura desnutrida e machucada, entre soluços e tropeções a
menina não deixava de sentir medo embora tivesse agradecida àquela figura que
metia medo no mundo por tê-la salvo da violência que sofreria se Mezentius não
tivesse sido interrompido.
Sem ter ideia do que fazer com os escravos, Nereu os deixa no pátio
e entra na fortaleza indo em direção a sala de audiências.
Parado a porta do recinto, Nereu bate a porta três vezes
antes de ouvir a ira na voz da imperatriz ao dizee - ENTRE.
- Perdão conquistadora, mas preciso saber que destino dar aos
escravos.
- Deixe-os no pátio por algumas marcas de vela, logo verei que fim terão.
- Sim senhora conquistadora - batendo no peito, Nereu se retira
sabendo que o humor daquela mulher permitia que ela o matasse sem mais.
Algumas marcas de vela depois Xena ainda permanecia isolada
pensando no que ouvira sobre Batios, nas palavras de seu general sobre a
desaprovação de seu governo e andando solitária pela sala para em frente aos
vitrais da janela que dão para o pátio e na pouca luz encontra reluzentes olhos que ao longe a desafiavam sustentando o olhar.
Xena se encaminha a seus aposentos onde encontra Mira, uma velha
escrava que era responsável por seus cuidados pessoais. Nos olhos de Mira se
pode ver o susto ao ver o sangue seco ainda nas mãos da mulher.
- Menina, o que foi isso?
- Nada que lhe vala a pena saber.
Mira caminhava à porta de saída quando foi interrompida pela voz
fria de Xena.
- Mira, desça ao pátio do palácio em meia marca de vela e me encontre
lá.
- Sim, senhora conquistadora.
Xena toma um banho rápido e no momento marcado está a
caminho do pátio escuro onde sua velha escrava já a esperava.
À noite o frio já se fazia cortante e diante daqueles olhos azuis
estavam aqueles três fortes homens, duas jovens morenas de bom porte, e
uma figura tão pequena que poderia ser confundida com uma criança. Xena passa
três vezes na frente de cada um e revista até que se vira a Mira e pergunta:
- O que podemos fazer deles, Mira?
A velha figura com imagem cansada rapidamente
diz:
- Minha senhora, as duas jovens podem ser de ajuda nas cozinhas no
preparo dos alimentos de sua tropa, esses homens podem nos ser útil nos
estábulos, mas...
- Mas o que, mulher? - brada Xena já impaciente.
- É que, bom, essa menina não vejo onde pode ser útil minha
senhora.
Parando em frente à pequena criatura, a imperatriz lança-lhe
a voz:
- Qual o seu nome, infeliz criatura?
Mergulhada no medo e no choro, com os olhos fixos ao chão a menina
nada diz.
Pegando seu queixo e forçando-a olhar pergunta novamente - Como se
chama, escrava?
- Meu nome é Gabr... Gabrielle, senhora.
- Bem Gabrielle, minha escrava pessoal não vê serventia pra você e
não alimento bocas inúteis em meu castelo, deste modo terá que provar seu
valor para ela se quiser viver.
Dizendo isso a conquistadora se vira de
volta adentro deixando todos com a velha escrava que leva todos aos seus
lugares, deixando Gabrielle junto com as outras na cozinha onde as deu um
pequeno pedaço de pão e água.
Enquanto preparava uns trapos para as escravas, Mira fora
interrompida por um soldado que fazia a guarda dos aposentos de Xena informando
que a conquistadora estava a sua espera.
Mira tinha acesso livre aos aposentos da imperatriz, que ao entrar
se deparou com ela sentada em uma confortável e alta cadeira, onde estava com o
corpo bem colocado enquanto sorvia uma taça de vinho ao contemplar o fogo que
crepitava lentamente na lareira.
- Mira, quero que coloque à toda prova essa menina loira, ela é
insolente e não gosto desse comportamento, ainda mais de escravos inúteis.
De
alguma forma aquelas palavras acertaram em cheio a velha escrava e amiga
de Xena.
- Menina, ela é uma criança e não tem força bruta.
- Coloque-a perto de você na cozinha, e lhe dê os trabalhos mais
forçados - Enquanto pronunciava isso via-se um sorriso maldoso nos olhos da
conquistadora.
- Assim será menina, cuidarei de fazer como deseja.
Na cozinha Gabrielle comia o pouco pão que recebera com
agradecimento, fazia dias que não se alimentava e esteve a ponto de desfalecer
na frente da conquistadora quando fora perguntada. De alguma maneira se sentia
aliviada por estar ali, mesmo sabendo que a vida de um escravo era sempre muito
ingrata, mas se alegrara de estar longe do alcance de Mezentius e em sua
cabeça estava a lembrança do estupro que quase sofreu mas que não se deu
por concreto por causa dela... A Conquistadora.
Mira volta à cozinha e encaminha a pequena escrava a um cubículo úmido onde tinha uns panos estirados ao chão e uma bacia com água.
- Gabrielle - dizia Mira - Esse é o único lugar que posso deixá-la por hoje, está muito
machucada menina, e não a mandarei dormir junto com os demais, precisa estar
descansada, pois por algum motivo a senhora conquistadora exigirá de você um
esforço ao qual não se importa que qualquer outro escravo faça. De algum modo
você despertou a raiva daquela mulher.
Gabrielle ouvindo atentamente e com os olhos fixos absorve cada
palavra. Agora tinha provocado raiva naquela aterrorizante figura sem ao menos
saber porque. Ficando ali sentada no chão, pegou os trapos que Mira lhe
trouxera.
- Se lave e se aquiete, amanhã tudo ficará menos desagradável
e tens sorte de estar viva a julgar pelo seu estado.
Mira tranca a cela e se vira em direção a cozinha, pois já enviara
o jantar da conquistadora e como velha que era já ia recolher-se.
No andar de cima bebendo outra taça, estava a solitária e
temida mulher, pensando nos últimos acontecimentos e, inquieta, algo desconhecido
a atormentara, e repassando mentalmente esbarrou no que fizera a Mezentius e no
que ele falara, e sem se der conta a memória dela esbarra num verde profundo e
envolvente... Gabrielle.
Xena se penaliza mentalmente por ter levado seu pensamento a tão
insignificante ser, mas que de alguma forma a incomodara. O que tinha aquela
criatura? Porque não a matou como fez com tantos já que não tinha valor aos
olhos de sua serva pessoal?
Na escuridão daquele castelo, jogada ao chão envolvida somente em
um pano, estava a alma desfigurada de uma escrava que não entendia como havia
parado ali e não entendia seu cruel destino que a lançara à morte, pois essa
era a certeza que tinha. Morreria nas mãos de alguém ou até nas mão daquela
mulher que lhe metia medo e ao mesmo tempo um sentimento que não conseguia
definir. Já com a sujeira fora do corpo o carro de Morpheu conduz
Gabrielle a seu reino.
Xena não era uma afortunada pelo sono a muitos verões, pensava ela
que talvez fosse o castigo de parte do mal que ela sempre fazia. Por não
conseguir dormir, desceu ao pátio em revista, e não havia uma viva alma de pé. Passando por um corredor na área escura que dava ao pátio onde se sentia
um frio cortante, um ponto claro chamou atenção dos olhos azuis. Se
aproximando ela se dá conta de um gemido e, forçando o olhar, nota que ali tinha
um pequeno ser dormindo quase ao relento em um frio cortante somente com um
pano em volta das pernas. Observou durante um tempo que não soube precisar a afortunada escrava que tinha consigo o sono, onde se apagava o sofrimento e no
meio do horror encontrava paz.